Mais abaixo, você encontrará três artigos
distintos:
1- O "Manifesto pelo Direito de Ir e Vir"
2- reportagem elogiando o ‘Manifesto’, avaliando-o como autêntica demonstração de "amadurecimento da democracia
brasileira"
3- artigo de crítica ao Manifesto.
O que pensar sobre este assunto?
Comecemos pelo manifesto:
Além de um desfile patético de frases politicamente corretas do tipo 'deve-se preservar o direito de ir e vir a todos aos cidadãos'..., 'nossos direitos
constitucionais precisam ser garantidos'..., 'O direito de manifestação (...) precisa
ser preservado e mantido dentro de seus limites legais'..., e blá, blá blá... além disso, o que
mais tal manifesto acresce ao povo sofrido que pretensamente quer proteger?
Para aquele trabalhador
que enfrenta diariamente o transporte público medonho, as filas dantescas do SUS
e carências graves e generalizadas em quase todos os serviços públicos, a
que aproveita semelhante ‘manifesto’?
O manifesto no fundo não convence. Faz
estampido de espoleta em dia de festa de São João. Resume-se talvez a um
desabafo pueril que pode ser sintetizado num
pouco retumbante e nada original grito de indignação: "É hora de um BASTA!".
Mas afinal, o que é que irritou tanto a alguns “intelectuais” brasileiros?
Por acaso, foram os descalabros nauseantes e
sucessivos da corrupção endêmica que assolam e corroem os três Poderes?
Foi a falência múltipla dos serviços públicos?
Foram os medíocres e vergonhosos índices da Educação Pública nacional e da produção
científica?
Foi por acaso, a petulância e ousadia do crime organizado
e das milícias clandestinas?
Foi talvez, a subserviência e incompetência
administrativa de nossas autoridades políticas, em prol de um banquete festivo que o povo está pagando, mas que não vai usufruir?
Não!! Nada disso parece
comovê-los ou inspirá-los!
O que os inspira em seu grito de
“basta!”, são as dificuldades que estão enfrentando para “se deslocarem a seus lares, a seus trabalhos, ao
encontro de suas famílias, amigos, ou compromissos” (sic!). E só!
É essa a classe de intelectuais, de cabeças pensantes que precisamos?? é essa a categoria de líderes que nosso país carece? Creio que perderam uma grande oportunidade de ficarem calados.
Mais ridículo ainda é a segunda reportagem,
quando tenta ressaltar que “juristas consideram o manifesto, um sinal de
amadurecimento”...
bom... amadurecimento onde? Só se for da fruta
que apodreceu no pé.
É lógico que “as manifestações e greves não devem
acabar em quebra-quebra, saques ou qualquer outro tipo de violência”. Não
é preciso juristas, sociólogos ou antropólogos para decretarem semelhantes obviedades. Mas que tantos juristas são esses que a reportagem alardeia
no seu título?
O autor cita um jurista, um ex-ministro do STF, uma
professora de direito constitucional e um promotor de justiça (estes últimos não
são juristas necessariamente).
Por fim, uma interessante reflexão dissonante sobre o
mesmo tema do tal ‘manifesto’, feita por um professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), publicado mais recentemente, o qual também aconselho a leitura, já que
você leu o manifesto e a segunda reportagem fazendo sua apologia.Silvio M. Maximino
Íntegra
do manifesto que defende o direito de ir e vir da população:
"Pelo Direito de Manifestação, Pelo Direito de
Ir e Vir
À população do Brasil
Nos tempos recentes, há um claro conflito
entre o legítimo direito de expressão de opiniões, reivindicações, de
manifestar apoio ou repúdio ao que quer que seja e o não menos importante
direito de ir e vir.
Raro o dia em que não se veem nos meios de
comunicação notícias sobre as vidas de milhões de pessoas transtornadas por
conta de manifestações públicas que adotam como tática o bloqueio de grandes
vias de transporte. Reunindo vários milhares ou apenas um punhado de pessoas,
grupos organizados em defesa de reivindicações as mais diversas arvoram-se no
direito de interromper ruas, avenidas e estradas, de destruir meios de
transporte e equipamentos públicos a eles relacionados. Violam, assim, o
direito de um número sempre muito maior, milhões nos grandes centros urbanos,
de se deslocarem a seus lares, a seus trabalhos, ao encontro de suas famílias,
amigos, ou compromissos, quaisquer que sejam.
Mentes autoritárias, com profundo desprezo
pelo direito alheio, terão sempre justificativas para essas ações na suposta
justiça das causas que defendem ou na relevância das denúncias que propagam. As
causas podem até ser justas, mas a alteração no tempo e na ordem da vida das
pessoas não pode se tornar algo banal, corriqueiro. Um efeito dessa avalanche
de manifestações que não titubeiam em afetar profundamente a vida das pessoas
nas cidades é o descrédito e o desgaste de qualquer manifestação. Isso não é
democracia, mas prepara sua destruição.
É hora de um BASTA! Exigimos do poder público
que preserve o direito de ir e vir a todos aos cidadãos, não apenas aos grupos
manifestantes. É deprimente e alarmante ter as forças da ordem pública
assistindo passivamente ou mesmo contribuindo com o transtorno pelo bloqueio de
grandes vias, preferencialmente nos horários de rush. É revoltante vermos
multidões tentando chegar em suas casas ou a seus compromissos, imobilizados
por horas, manietados, vítimas da passividade do poder público, acuados pela
impunidade e eventual violência de manifestantes.
Exigimos que nossos direitos constitucionais
sejam garantidos, não aceitamos vê-los usurpados por pequenos ou grandes grupos
que têm direito de se manifestar, mas não de impor seus pontos de vista. O
direito de manifestação, assim como o de greve, precisam ser preservados e
mantidos dentro de seus limites legais. Conclamamos à reação contra a escalada
antidemocrática das manifestações que não respeitam os direitos elementares dos
cidadãos.
Propõem, em
ordem alfabética:
Alba Zaluar UERJ
Carlos Alberto de Bragança Pereira USP
Dani Gamerman UFRJ
Elizabeth Balbachevsky
USP
Gauss Moutinho Cordeiro UFPE
Glaura C. Franco UFMG
Helio S. Migon UFRJ
Luiz Felipe de Souza Coelho UFRJ
Manuel Thedim IETS
Marcio da Costa UFRJ
Maria Alice Nogueira UFMG
Maria Lígia Barbosa UFRJ
Nelson do Valle Silva UERJ
Renan Springer de Freitas UFMG
Simon Schwartzman IETS”
2º artigo jornalístico:
29/05/2014
Juristas consideram manifesto ponto de partida para
amadurecimento da democracia brasileira
RIO - Desde junho do ano passado, as cidades
brasileiras têm sido palco para intensas manifestações e greves. Na última
segunda-feira, a tensão gerada por elas fez com que antropólogos, sociólogos e
pesquisadores criassem e distribuíssem um manifesto público pedindo um basta
nos abusos cometidos nesses atos — sobretudo com relação ao bloqueio de vias.
Intitulado "Pelo Direito de Manifestação, Pelo Direito de Ir e Vir”, o
documento reunia até a tarde de ontem 379 assinaturas e, para um grupo de
juristas, deve servir de ponto de partida para o amadurecimento da democracia
brasileira.
O constitucionalista e professor da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Gustavo Binenbojm é um deles.
— Do ponto de vista constitucional, (manifestar-se)
é direito legítimo, salutar, mas só deve ser exercido sem entrar em conflito
com outros direitos constitucionais. Um não pode ferir o outro. Essa petição
pública pode ser o ponto de partida para essa discussão — diz Binenbojm.
O principal debate entre os manifestantes e os
cidadãos indignados com os possíveis excessos nas marchas está na interpretação
do Artigo 5º da Constituição, que trata dos "Direitos e Deveres
Individuais e Coletivos”, em especial no inciso XVI, que afirma que "todos
podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público,
independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião
anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à
autoridade competente”. Binenbojm complementa a análise:
— O exercício da liberdade de manifestação deve ser
compatibilizado com uma série de direitos, como o de ir, vir e permanecer, o
direito ao trabalho, o direito à Educação, que dependem, todos eles, da
liberdade de locomoção.
A professora de Direito Constitucional da Uerj Ana
Paula de Barcellos corrobora a opinião dele sobre o bom momento para o
amadurecimento da democracia brasileira. Mas, para a especialista, do ponto de
vista do Direito, dois aspectos devem ser avaliados. O primeiro, chamado de
"zona de certeza”, diz respeito ao fato de que as manifestações e greves
não devem acabar em quebra-quebra, saques ou qualquer outro tipo de violência.
O segundo é sobre o direito de ir e vir — e, nesse quesito, seu ponto de vista
destoa dos outros juristas.
— O objetivo da manifestação é atrapalhar. É claro
que as pessoas têm interesse em se locomover, ter um trânsito que funcione. Mas
as pessoas querem que suas rotinas não sejam mudadas em nada, e isso não
acontecerá — defende Ana Paula. — Há uma tensão entre esses elementos
(sociedade e manifestantes) que é natural. Cabe a nós, cidadãos, discutir
novamente esse modelo, caso se torne insuportável.
O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)
Carlos Velloso lembra que as manifestações, como previsto na Constituição,
independem de autorização prévia para acontecer, mas não podem causar danos à
sociedade:
— A Constituição exige sempre que a autoridade seja
avisada pelo grupo que quer fazer a manifestação, pois há locais em que essa
concentração vai causar danos às pessoas. Então a autoridade determina pontos
que afetem menos os cidadãos — explica ele, destacando que o alerta prévio é
importante para garantir, inclusive, o bem-estar dos que se manifestam.
Por outro lado, o ex-ministro lembra que a polícia
não pode "agir de modo violento” nem "frustrar a manifestação
prevista na Constituição”. Em sua opinião, enxergar apenas o direito aos
protestos seria "colocar o direito individual à frente do coletivo,
daquele que quer trafegar livremente”. Portanto, um erro.
Velloso é crítico quanto à paralisação total dos
policiais civis e militares. Segundo ele, são atos inconstitucionais, uma vez
que a Constituição proíbe sindicalização e greve aos militares. Ele ainda
critica a forma como as autoridades brasileiras vêm lidando com esses
protestos:
— Parece que está ocorrendo uma crise sindical.
Isso quer dizer que os sindicatos estão perdendo a liderança, suprimidos por
grupos paralelos e ilegais. Esses grupos podem ser punidos e autuados por
praticarem uma ilegalidade. Parece que as autoridades têm receio de agir de
acordo com a lei. Vivemos um movimento de intensa liberalização. Neste quadro,
a autoridade quer ser boazinha, esquecendo que o regime democrático é o regime
da lei, não dos homens. Fazer valer a lei é da essência do regime democrático.
Em Vitória, ação pública por danos
No dia 30 de agosto de 2013, quatro organizações
sindicais iniciaram às 6h uma manifestação em Vitória. As três pontes de acesso
à cidade foram fechadas, impedindo a entrada ou saída do município. O promotor
de Justiça Marcelo Zenkner entrou com uma ação civil pública, em tramitação na
10ª Vara Cível de Vitória, solicitando danos morais a União Geral dos
Trabalhadores, Central Única dos Trabalhadores, Força Sindical do Estado do
Espírito Santo e Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil.
— O principal intuito da ação é pedagógico. Criar
um ambiente para que, nas próximas vezes, os manifestantes se lembrem de que
existem outros direitos fundamentais que devem ser respeitados. Não existe
direito fundamental absoluto — explica o promotor.
Segundo Zenkner, qualquer cidadão que se sentir
lesado por protestos poderá entrar com um pedido por danos a direitos
individuais homogêneos. O processo dele corre na 10ª Vara Cível de Vitória.
fontes:
http://oglobo.globo.com/brasil/juristas-consideram-manifesto-ponto-de-partida-para-amadurecimento-da-democracia-brasileira-12651684, disponível em 29/05/2014
http://www.antp.org.br/website/noticias/clipping/show.asp?npgCode=A090AED1-3E9F-418E-AF8F-9F933BDD19AE
terceiro artigo:
Vira-latas sem complexo
Professor
da UFRJ critica manifesto que relativiza o direito de manifestação no Mundial.
“Agora que não há mais o que roubar,
convocar
a população para assistir quietinha aos jogos da Copa pela TV é tudo o que a
academia não deveria pedir, esse manifesto não me representa”
POR CONGRESSO EM FOCO | 03/06/2014 08:00
|
Luis Vieira *
A ordem veio do Planalto – segurança máxima nas ruas – mas as ordens do
Planalto não se limitam às previsíveis ações institucionais, elas são acompanhadas
por um coro de contentes, o que dá mais legitimidade ao arbítrio. Por décadas,
o Partido dos Trabalhadores incentivou a criação e a ação de organizações
sociais com temáticas diferentes – terra, habitação, aborto, gênero, etc.
Diante da calamidade social que é o Brasil elas prosperaram e se
multiplicaram, inclusive em campos concorrentes da esquerda. Quando não estava
no poder era fácil apoiar invasões, bloqueios, ocupações e outros escrachos.
Mas agora é diferente, às portas de uma Copa do Mundo, em um ano de eleições
presidenciais, o Planalto descobriu que é preciso ordem para o sucesso, não
necessariamente o progresso.
E assim, com a Lei da Copa em uma das mãos e as
Forças Armadas na outra, convoca a militância a bradar aos quatro cantos que se
faça silêncio. Nesse contexto ordeiro brotam apoios mais ou menos organizados,
mais ou menos inocentes, mais ou menos úteis, como é o caso de um manifesto
oriundo da academia, supostamente organizado por Simon Schwartzman &
friends e intitulado “Pelo Direito de Manifestação,
Pelo Direito de Ir e Vir”. Após lê-lo,
concluí que não é por uma coisa, nem pela outra, mas pela ordem, simplesmente
pela ordem.
Há uma única frase dedicada à liberdade de
expressão, ao final do texto, que não é exatamente uma defesa, mas uma ressalva - O direito de manifestação, assim como o de greve,
precisam ser preservados e mantidos dentro de seus limites legais. Talvez por receio da carapuça de
autoritarismo, enxertaram o slogan. Por outro lado, atribuir às manifestações a
culpa pelos engarrafamentos e dificuldades de locomoção é um viés difícil de se
sustentar qualquer que seja a abordagem.
Todos os dias a maior parte da população sofre apinhada em trens, ônibus
e metrôs. Se uma carrocinha de pipoca quebrar a roda vamos ter quilômetros de
retenção aonde quer que se tenha dado o acidente. Ao invés de invocar as forças
de segurança para controlar manifestantes, invoque-se mais gente nas ruas, para
que elas parem de vez e o país faça seu ajuste de contas.
Agora que não há mais o que roubar, convocar a população para assistir
quietinha aos jogos da Copa pela TV é tudo o que a academia não deveria pedir,
esse manifesto não me representa, nem representa os milhares de estudantes,
professores e funcionários que estão longe das benesses desse regime que compra
consciências no atacado e no varejo.
* Professor na Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ) com interesses em geoestatística, mineração de dados e ensino a
distância.
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