Crimes em territórios indígenas geralmente são deliberados pelas próprias lideranças
locais (sem passar pela Justiça brasileira).
As punições variam de expulsão da aldeia a trabalhos comunitários ou proibição de participar de eventos. Essas penas, contudo, podem ser reconhecidas como legítimas se chegarem à Justiça.
As punições variam de expulsão da aldeia a trabalhos comunitários ou proibição de participar de eventos. Essas penas, contudo, podem ser reconhecidas como legítimas se chegarem à Justiça.
Desta vez, fugindo à regra, os acusados responderam
com base na legislação penal do Brasil, ou seja, um júri popular integrado só por indígenas, julgou dois réus macuxis, acusados de tentativa de homicídio.
O corpo de jurados (composto por 30 índios de quatro etnias) foi a base para o sorteio de sete pessoas, que efetivamente participaram da sessão do júri.
Este caso concreto envolveu um tabu nas comunidades: a
entidade maligna Canaimé.
A antropóloga Lêda Martins explica:
"Quando você mata um Canaimé, não vai a julgamento, porque
está livrando a comunidade de um mal (...) mas dessa vez, "não
será uma questão de consenso, como estão acostumados".
Isso pode gerar conflito entre as lideranças indígenas, pois a palavra final será dada por um branco.
O próprio juiz Aluizio Ferreira, que conduziu este júri, já se absteve de sentenciar um outro índio acusado de homicídio sob, o argumento de que ele havia sido punido pelos pares.
fonte: (JOSÉ MARQUES) http://www1.folha.uol.com.br/ fsp/poder/216594-aldeia-em-rr- sediara-o-primeiro-juri- composto-so-por-indigenas. shtml
Júri indígena em Roraima absolve réu de tentativa de homicídio
Debaixo
das 18 mil palhas de buriti do Malocão da Homologação, no interior da
Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, o primeiro júri
popular indígena do Brasil absolveu um réu acusado de tentativa de
homicídio e condenou o outro réu do processo por lesão corporal leve. Os
dois, que são irmãos e indígenas, foram acusados de atacar um terceiro
índio. O julgamento, que durou mais de 13 horas, ocorreu no dia 23/04/2015 e teve a presença de cerca de 200 pessoas, conforme
estimativa da Polícia Militar. O Ministério Público de Roraima (MPRR)
informou que vai recorrer da decisão.
Durante
o júri, o chamado Conselho de Sentença, formado apenas por índios da
própria reserva, considerou a culpa de Elsio e admitiu que ele teve a
intenção de matar Antônio. Contudo, o absolveu pela tentativa de
homicídio. Valdemir, em contrapartida, foi condenado, mas teve a culpa
por lesão corporal grave atenuada para lesão corporal simples. Com isso,
ele foi sentenciado a cumprir pena de três meses de pena no regime
aberto, podendo ainda recorrer da decisão em liberdade.
Ao
todo, dentre réus e vítima, 10 testemunhas foram ouvidas no caso. Todas
elas prestaram depoimento ao júri formado por quatro homens e três
mulheres das etnias Macuxi, Ingaricó, Patamona e Taurepang. Dentre eles,
o filho da vítima, o proprietário do bar onde ocorreu a tentativa de
homicídio e o homem que, segundo os réus, teria dito que a vítima estava
sob influência do Canaimé.
Ao
G1, o juiz responsável pelo caso, Aluizio Ferreira, se limitou a dizer
que a “decisão do júri é soberana e tem que ser acatada”. Ele frisou que
o júri foi válido, legal e realizado conforme prevê a Constituição
Federal e o Código Penal.
“Foi
uma forma muito peculiar de tentar resolver um conflito, foi
diferenciado e é algo que deve, no meu entender ser reproduzido.
Obviamente, isso depende do Poder Judiciário e dos meus pares, mas eu
considero que esse júri provoca reflexão”, alegou.
Os réus e a vítima não quiseram conceder entrevistas à imprensa.
Defesa comemorou a sentença
O
defensor público estadual José João e a advogada Thais Lutterbak, que
defenderam Valdemir e Elsio, respectivamente, consideraram o resultado
do júri como ‘positivo’, apesar da condenação de um dos réus.
“Na
verdade, a tese da defesa foi vitoriosa, porque nós afirmamos que o
Valdemir não cometeu o crime de lesão corporal grave, conforme a
acusação alegava. O júri entendeu que houve uma lesão corporal leve, a
qual depende de representação por parte da vítima, o que já prescreveu”,
afirmou José João.
Segundo
o defensor, para que haja punição no caso, a vítima teria que ter feito
uma representação contra o agressor. Entretanto, o prazo para fazê-la é
de seis meses depois de saber quem é o autor do fato, o que já teria
transcorrido, conforme José João.
Questionada
sobre a tese de legítima defesa contra a ação do Canaimé, Thaís,
advogada do réu absolvido, reiterou que a ação dele foi confessada, mas
justificada sob a ameaça da entidade indígena.
“A
defesa nunca negou a autoria e a materialidade do fato. Então, o júri
entendeu que houve um contexto que justificava o cometimento do delito. É
claro que não estamos dizendo que a vítima é um canaimé, mas sim que
houve um contexto que fundamentou a atuação dos réus”, alegou.
Durante
o júri, Valdemir alegou em depoimento que o crime aconteceu pois ele e
seu o irmão estavam se defendendo contra do Canaimé. Por sua vez, Elsio
confessou aos jurados que golpeou o pescoço da vítima com uma faca de
“cortar laranja”.
MP alega ilegalidade do júri
Desde
o início do julgamento, os promotores do MPRR, Diego Oquendo e Carlos
Paixão, alegaram que o júri é passível de ser anulado, pois a seleção do
corpo de jurados formado unicamente por índios exclui pessoas
pertencentes a outras etnias da sociedade, o que vai contra o artigo 436
do Código de Processo Penal.
“Se
um morador de uma favela do Rio de Janeiro comete um crime, ele vai ser
julgado apenas por membros dessa comunidade? Não. Então, porque isso
deveria ocorrer em uma comunidade indígena?”, questionou Paixão durante
coletiva de imprensa.
Sobre
a decisão final do júri, Paixão e Oquendo afirmaram que a setença é
contrária às provas do processo, onde ficou claro que houve a lesão
corporal grave por parte do réu absolvido. Eles atribuíram a absolvição
dele a não compreensão dos jurados sobre os questionamentos feitos no
julgamento.
Durante
o tribunal do júri popular, é procedimento que após os debates, o juiz
apresente uma séria de perguntas simples aos jurados, chamadas de
quesitação, onde ele questiona sobre o crime. A essas perguntas, os
jurados devem responder ‘sim’ ou ‘não’.
Às
perguntas iniciais sobre Elsio, o júri respondeu que houve a tentativa
de homcídio e atribuiu a culpa a ele, mas, apesar disso, decidiu
absolvê-lo. Por isso, o promotor Carlos Paixão, considerou a decisão
‘juridicamente legal, mas desconexa’.
“Olha
só a incongruência: o fulano sofreu a lesão? Sim. O beltrano produziu a
lesão? Sim. Ele quis matar? Sim. Daí vem o quesito ‘você o absolve?
Sim’”, argumentou, acrescentando que o Ministério Público recorrerá de
sentença dentro do prazo de cinco dias.
‘É brutal’, diz líder indígena sobre julgamento
Ao
G1, o coordenador regional da região das serras, Zedoeli Alexandre,
avaliou o julgamento dos ‘brancos’ como brutal. Apesar disso, de acordo
com ele, a ação muda a forma como os indígenas lidarão com os conflitos a
partir da realização do júri.
“Chegamos
ao nosso objetivo de nos ajudar a resolver os nossos problemas.
Entretanto, ficou marcada a forma como os brancos realizam um
julgamento. É brutal e muito diferente da nossa forma, mais respeitosa e
educativa de julgar”, esclareceu Zedoeli.
Sobre
o envolvimento do Canaimé no caso, Zedoeli garantiu que a referência à
entidade no processo não deixou os jurados nervosos. “Não temos como
afirmar o envolvimento do Canaimé, afinal ele faz parte da cultura
indígena tradicional. Não temos como dizer que foi ele, ou não. Então,
acredito que tudo foi esclarecido e estamos tranquilos com o término do
julgamento”, afirmou.
Por: Emily Costa
Fonte: G1
Fonte: G1
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