sábado, 1 de outubro de 2016

Vygotsky em sala de aula


Vamos chover no molhado porque parece que o óbvio está esquecido: escola existe para o desenvolvimento de seus alunos! Sabia disso? Pois é.

Para o psicólogo da educação, Lev Vygotsky, o desenvolvimento só se dá após a aprendizagem, por isso, se as escolas não fizerem seus alunos aprender alguma coisa, coisa alguma será desenvolvida neles. Ponto.
Sobre esse tema, duas professoras dialogavam esses dias dentro de uma escola: “Vygotsky era russo, por isso suas ideias não dão certo no Brasil!”, disse uma. A outra completou: “É, e ele é de 1896 a 1934, por isso não dá certo na atualidade!”. Parece piada, mas não é.
O velho e russo professor Vygotsky era interacionista, ou seja, defendia a inevitável troca que se dá entre o aluno e o meio em que vive. Simples, não é? Pois é.
Hoje em dia, em nossas escolas, uma troca que vem acontecendo cada vez mais corriqueiramente é a de tiro, troca de tiros. E era exatamente disso que Vygotsky estava falando!
O ambiente escolar, de professores estressados e mal pagos, de classes lotadas, indisciplinadas e barulhentas, de muros pichados, de venda de drogas, de cerca de arame farpado etc., este é o lócus didático-pedagógico que nossa sociedade oferece para o desenvolvimento de seus alunos.
É neste lugar que há a interação inevitável, a troca sujeito-meio, e os alunos internalizam esse ambiente para seu “desenvolvimento”, se é que podemos chamar assim.
Vygotsky era, também, construtivista, isto é, pensava que a aprendizagem só pode se dar através de alicerces: o aluno traz até a escola seus alicerces pessoais e, sobre eles, serão construídos os conceitos que a escola julgar mais adequados.
Nossa! Será, então, que nossas escolas julgam adequados os conceitos de desorganização, abuso de autoridade, desrespeito, desestímulo etc?
Pois são esses que nossos alunos estão recebendo em grande parte das escolas. Sem contar que os alicerces provenientes da própria casa do aluno já não são lá essas coisas também.
Tentar plantar semente boa em terreno ruim, é difícil de dar certo; imagine se for para plantar semente ruim em terreno ruim, só um milagre mesmo para fazer crescer coisa boa. É este milagre que todos os dias professores brasileiros tentam fazer.
E continuando sobre Vygotsky: nosso pedagogo interacionista e construtivista tem suas ideias batizadas de “Teoria Histórico-Cultural”, isso porque ele não era nada mais do que um marxista, e nada menos do que um sábio.
Defendia ele: o aluno está preso à história da espécie humana (filogênese), preso à sua história enquanto indivíduo biológico (ontogênese), preso à história de sua sociedade cultural (sociogênese) e preso à história particular e irrepetível de cada aspecto mínimo do seu desenvolvimento enquanto sujeito, por exemplo: abotoar a camisa, cada um aprende em época e de forma diferentes, é a microgênese na prática.
A partir disso, podemos pensar: que será que Vygotsky teria a dizer sobre a história e cultura do Brasil?
Temos uma história marcada pela exploração; será que é por isso que nossos alunos e suas famílias aceitam quase morrer de fome morando em favelas?
Temos uma história marcada pela escravidão; será que é por isso que ‘proletários’ aceitam trabalhar ganhando um quase nada?
Temos uma cultura de violência por parte da polícia, bandidos, filmes e novelas da TV; será que é por isso que nossos jovens estão batendo e matando nossos velhos?
Temos uma cultura de ‘oba-oba’, carnaval e futebol (lembra do pão e circo em Roma?); será que é por isso que nossos alunos sabem petecar uma bola, mas não sabem ler uma frase nem calcular uma soma?
É... qual seria o teor da crítica do nosso velho e russo Vygotsky quanto à história e cultura brasileiras?
Este psicólogo famoso, que escreveu mais de 200 livros e morreu de tuberculose aos 37 anos, costumava chamar de Fala Egocêntrica a fase em que as crianças “pensam alto”, ou seja, que começam a usar a linguagem em conformidade com seus pensamentos e, por isso, falam aquilo que estão pensando.
É uma etapa importantíssima do desenvolvimento linguístico e que dará início ao pensamento abstrato. Daí a pergunta: nas nossas costumeiras classes de 30 alunos, existe algum super-professor que consiga dar atenção e desenvolva sistematicamente a linguagem de seus educandos, partindo do pressuposto da microgênese de que cada um é único e necessita de diagnóstico e intervenção individualizados?
É claro que não!
O que usamos são métodos generalistas que tratam de todos como se fossem não apenas parecidos, mas idênticos, por isso não funciona como gostaríamos.
A teoria vygotskyana ainda vai mais longe quando conceitua a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), que se trata da área que fica entre o que o aluno já sabe (desenvolvimento prévio, real) e o que o aluno pode saber (desenvolvimento alcançável, potencial).
É neste intervalo psicológico batizado de ZDP que pode e deve agir o professor, porque é onde se dá a interação e a construção epistêmicas. Caso haja a intervenção ‘benéfica’ do docente, então se dará a troca entre o concreto (objeto externo interpsicológico) e o abstrato (sujeito interno intrapsicológico), esta é a interação que leva à adaptação e construção de qualidades, ou seja, leva os alunos ao desenvolvimento pleno, gera a consciência que ativa as funções psicológicas superiores, tornando o indivíduo crítico e reflexivo (memorização ativa e pensamento abstrato).
Que é exatamente o que nós queremos, certo? Que é o que nossos políticos, tipo Tiririca, Sarney, Romário, Maluf querem, não é?! É sim...
Por fim, importante salientar que uma professora apaixonada pelo teórico Lev Vygotsky é a pesquisadora brasileira Marta Kohl de Oliveira que já escreveu o seguinte:


“O homem biológico transforma-se em social por meio da internalização de conceitos histórico-culturais!”.

Vamos rezar bastante (e lutar mais ainda) para que nossas escolas tenham ao menos um pouco de Vygotsky em suas salas de aula; para que nossos alunos deixem de ser só “bichos” (filogênese biológica-concreta) e aprendam a ponto de se desenvolver a serem Humanos (socio-microgênese racional-abstrata), e para tanto, basta que nossas escolas se tornem o estímulo adequado aos alunos, para que a troca nas salas de aula não seja de tiros, mas de experiências que desenvolvam todas as qualidades possíveis dentro da ZDP de cada aluno, porque o que Vygotsky jamais duvidou é que as pessoas podem mudar, basta que façamos desta mudança algo para melhor. 


 
 
texto de autoria de Wellington Martins

* Prof. Wellington Martins, é graduado em Filosofia, graduando em Pedagogia e pós-graduando em Psicopedagogia
(am.wellington@hotmail.com)






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