Muitos (alunos) me perguntam o que
acho de Belo Monte... evidentemente, esperam a opinião de um antropólogo... mas
pouco posso dizer... não estou lá, vivendo na pele o drama de quem nunca foi
respeitado pelo Poder Público, mas que agora é obrigado a abandonar tudo que
construiu ou herdou, por conta de um 'interesse nacional e estratégico': a
produção de "energia para o progresso". Antigamente, muitos se
encantavam com o som deste mantran quase mágico: "PROGRESSO". Bastava
pronunciá-lo e, tal qual o famoso "abra-ka-dabra", as portas se
abriam e a maioria das mentes mais sensatas aderiam...
hoje, o encanto da mágica começa a
se quebrar; o 'progresso' (entenda-se, acesso a bens e serviços, poder de
consumo), se é que chegou, chegou para bem poucos brasileiros. É agora que, a
exemplo das ideologias e utopias socialistas, a ideologia do progresso
capitalista a qualquer custo, igualmente começa a esfarelar-se...
Tampouco sinto na pele (mas posso
supor) a difícil tarefa dos gestores políticos de conciliar os inumeráveis
interesses políticos de inúmeros grupos, além dos interesses públicos (ou nem
tão públicos assim), dos interesses nacionais (ou nem tão nacionais assim), dos
'lobbies', das comunidades indígenas e assim por diante... bom: o fato é que
nunca fui otimista em relação ao desfecho de Belo Monte...
Então, o que dizer para meus
alunos?
quando temos um povo que não sabe o
que fazer quando precisa resolver os problemas mais simples do seu bairro, da
sua comunidade ou cidade, eu fico imaginando o que conseguiremos diante dos
poderosos interesses envolvendo Belo Monte e tantas terras indígenas
etc... é!!! são terras indígenas!!! é sempre bom lembrar que estamos
vivendo em solo indígena, quase todos os brasileiros. Então, o que fazer?
Silvio MMax.
Belo Monte em 2013: o início da descida da montanha-russa
Por Rodolfo Salm*
Quem já andou de montanha russa, especialmente nos primeiros carros
do trem, sabe como é aquela sensação do começo da descida, quando você
já está indo ladeira abaixo, mas lentamente, pois os últimos carros
subindo ainda freiam a composição. A antecipação da emoção que virá em
breve já dá o frio na barriga. Acho que essa sensação resume bem a
situação de Belo Monte em 2013. Mas pelo lado negativo, infelizmente.
A subida precedente vem de longe. Vem de todas as tentativas já
frustradas de se construir essa barragem, desde o fim dos anos 1980, ao
longo das quais se derrubou muita floresta por conta da expectativa da
hidrelétrica. Por isso que é enganadora a comparação do Sr. Francisco
Oliveira, diretor do Departamento de Combate ao Desmatamento do
Ministério Ambiente, de que em um raio de 50 quilômetros de Belo Monte o
desmatamento passou de 380 km², em 2011, para 41 km² em 2013, para
tentar nos fazer crer que não há uma relação direta entre os
desmatamentos e as hidrelétricas na Amazônia.
O desmatamento de 2011 já era consequência de Belo Monte. E se 41 km² parece pouco, imagine que muitas áreas protegidas no sul e sudeste não têm nem isso. Corresponde à perda de mais de 4000 campos de futebol.
O desmatamento de 2011 já era consequência de Belo Monte. E se 41 km² parece pouco, imagine que muitas áreas protegidas no sul e sudeste não têm nem isso. Corresponde à perda de mais de 4000 campos de futebol.
O primeiro carro do trem do recente boom econômico em Altamira em
função do início das obras da hidrelétrica foi evidentemente o dos
aluguéis. O vagão primeiro a subir e também o primeiro a começar a
descer. Você, leitor, que mora ou trabalha em imóvel alugado,
multiplique o seu custo mensal com isso por quatro ou cinco. Pois foi
esta a mudança que ocorreu em Altamira! Era a fase de instalação da
obra, quando milhares de trabalhadores chegavam à cidade todos os meses e
as grandes empresas não poupavam para instalar seus engenheiros nas
melhores casas da cidade.
Não é preciso falar como isso foi devastador para a população local.
Hoje, com a infraestrutura de casas dos canteiros de obras e também com o
início da migração de engenheiros e trabalhadores em sua destruidora
marcha para o oeste, já se veem dezenas de placas de “aluga-se” por toda
parte. Os emigrantes seguem para a bacia do rio Tapajós, onde se
pretende construir uma devastadora série de sete barragens em áreas de
mata virgem. Aqui em Altamira os preços dos aluguéis e imóveis em geral
ainda estão caindo pouco porque os proprietários mal acreditam e não se
conformam com uma queda tão rápida para tanto investimento. Para muitos
dos que sonharam enriquecer com Belo Monte, logo sobrarão apenas casas
abandonadas e pesadas prestações a pagar.
Apesar da obra de Belo Monte já caminhar para os seus finalmentes,
nenhuma das promessas de melhoria para a cidade foi concluída. Hoje em
dia não se vê ninguém na cidade que diga que isso foi um bom negócio
para Altamira. Na época da euforia, quando nós ambientalistas fizemos os
alertas que estamos fazendo há anos, fomos discriminados. O que nos
resta é dizer, amargamente, que nós avisamos. E nos conformarmos por não
sermos culpados pela cumplicidade.
O “milagre econômico” certamente ainda não acabou para os donos de
botecos vendedores de cachaça. Além das centenas de caminhões e ônibus
ameaçando os pedestres, travando o trânsito, levantando poeira e
quebrando o asfalto, temos multidões de homens desacompanhados, bêbados,
nos bares de quase cada esquina. Ou andando como zumbis pela cidade,
estranha para eles. É assim que “relaxam” nas horas de folga os
trabalhadores de Belo Monte, os verdadeiros escravos da modernidade. A
obra ainda é um bom negócio para os mercados do crack e da prostituição.
Os novos consumidores, vindos de longe sem conhecer a cidade, às vezes
batem até em casas normais de família, perguntando se têm da droga para
vender. Por quase toda parte, de noite, as prostitutas são o componente
feminino da paisagem.
No mais, o que dizer de Belo Monte e das barragens na Amazônia em
2013? Circula um vídeo aterrorizante ao som de heavy metal, o
“Avatropicos”, com imagens de devastação, protestos e Lula e Dilma
cinicamente usando adornos indígenas, que resume tudo.
Mas, apesar de todo o absurdo da ideia de se ampliar em 277% a
produção de energia elétrica na região amazônica nos próximos 10 anos à
custa da destruição da maior floresta tropical do planeta, e dessa obra
em específico, o tema não ocupa o coração nem as mentes do povo
brasileiro. Povo que se levantou para manifestações esse ano (a maioria
amorfa e sem direção, diga-se), mas não acordou para a tragédia para
esse mesmo povo que será a destruição da metade florestada do país. Mais
que a música, o futebol ou a miscigenação dos povos, essa devastação
será o grande legado brasileiro de nosso tempo para a humanidade.
No Brasil essa ideia não está bem clara, mas muita gente pelo mundo
já tem essa consciência. Minha esperança para 2014 é que, com os olhos
do mundo realmente voltados para cá, mesmo que em função da Copa, o
problema da devastação programada da Amazônia comece a ganhar pelo menos
parte da dimensão que merece.
* Rodolfo Salm, PhD em Ciências Ambientais pela Universidade de East Anglia, é professor da UFPA (Universidade Federal do Pará) em Altamira, e faz parte do Painel de Especialistas para a Avaliação Independente dos Estudos de Impacto Ambiental de Belo Monte.
Fonte: Correio da Cidadania.
http://www.portaldomeioambiente.org.br/noticias/artigos/7532-belo-monte-em-2013-o-inicio-da-descida-da-montanha-russa
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