Lobby da indústria do açúcar afetou pesquisas sobre cárie nos EUA
Estudo detectou influência corporativa em instituto público americano.
78% das prioridades da indústria foram incorporadas em plano contra a cárie.
Da France Presse
A indústria do açúcar convenceu
décadas atrás cientistas do governo dos Estados Unidos a pesquisar maneiras de
prevenir cáries que não envolvessem a retirada de doces da dieta.
Os dados integram um estudo
publicado nesta semana pela revista "PLoS Medicine", que se baseou em
319 documentos da indústria do açúcar datados dos anos 1960 e 1970, arquivados
na biblioteca pública da Universidade de Illinois.
Os arquivos mostram que "em
1950, uma organização representando 30 membros internacionais da indústria
açucareira aceitou que o açúcar causava o desgaste dos dentes", destacou o
estudo, chefiado por especialistas da Universidade da Califórnia.
Por volta de 1969, o Instituto
Nacional de Saúde decidiu que a redução do consumo de açúcar, "embora
fosse teoricamente possível", não era prática do ponto de vista da saúde
pública, disseram os pesquisadores.
Representantes da indústria do
açúcar passaram a trabalhar de maneira estreita com o Instituto, principal polo
de pesquisas do governo dos EUA, buscando abordagens alternativas.
A investigação descobriu que 78%
das prioridades de pesquisa da indústria açucareira foram diretamente
incorporadas nas diretrizes de investigação do Programa Nacional contra a
Cárie, lançado em 1971. "A comunidade odontológica sempre soube que
prevenir a cárie passava pela redução do consumo de doces', afirmou Cristin
Kearns, principal autora.
"Foi desapontador descobrir
que as políticas debatidas hoje poderiam ter sido discutidas e aplicadas há
mais de 40 anos", acrescentou.
Influência negativa
Kearns e seus colegas compararam os
arquivos - que incluíam 1.551 páginas de correspondências entre executivos da
indústria do açúcar entre 1959 e 1971 - com documentos do então Instituto
Nacional de Pesquisa Dentária, para explorar como a indústria do açúcar pode
ter influenciado as diretrizes de pesquisa do programa de 1971.
Os cientistas descobriram que a
indústria do açúcar financiou pesquisas com enzimas para combater a placa e uma
vacina contra a cárie, e "mantiveram relações com o Instituto Nacional de
Saúde". "Estas táticas são muito parecidas com as então empregadas
pela indústria do tabaco", disse o coautor do estudo Stanton Glantz.
Os pesquisadores também descobriram
que os esforços perpetrados pela indústria do açúcar "não conseguiram
produzir resultados" no que diz respeito à prevenção contra às cáries,
problema que afeta metade dos adultos dos Estados Unidos e é a principal doença
crônica entre as crianças.
Ronald Burakoff, chefe do
departamento de medicina dental do Hospital Universitário North Shore, em
Manhasset, Nova York, disse que o estudo é "bastante perturbador".
A pesquisa sugere uma
"conspiração para afastar a pauta de pesquisas sobre cáries do consumo de
açúcar, a fim de mitigar os efeitos sobre a indústria", avaliou Burakoff,
que não participou do estudo.
"Os paralelos com a negação
dos males provocados pelo cigarro praticada pela indústria do tabaco são
alarmantes".
Procurado pela AFP para comentar os
resultados da pesquisa, o Instituto Nacional de Pesquisa Dental e Craniofacial
- que sucedeu o Instituto Nacional de Saúde - não se manifestou.
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