Fazenda Quititi, R. de Janeiro, 1865. Detalhe: criança branca e os pequenos escravos descalços |
A Professora Lia Shucman é psicóloga e doutora em
psicologia social pela Universidade de São Paulo, com estágio de doutoramento
como pesquisadora no Center for New Racial Studies Institute for Social,
Behavioral and Economic Research, da Universidade da Califórnia.
O evento ocorreu ao tempo em que a
Professora Lia estava lançando o livro “Entre o ‘encardido’, o ‘branco’ e o
‘branquíssimo’: Branquitude, hierarquia e poder na cidade de São Paulo”, fruto
de sua tese de doutorado. Em sua exposição, a pesquisadora apresentou uma rica
e interessante síntese de seu trabalho, que se amolda com perfeição ao teor das
discussões havidas no âmbito deste Grupo de Trabalho.
Ao iniciar sua palestra, a
Professora lembrou que “o Brasil é um País em que as pessoas podem ser contra o
racismo, achar que o racismo é um mal que deve ser combatido, casar com negros,
ter amigos negros e mesmo assim continuarem sendo racistas, ou seja, o racismo
está nas práticas culturais do sujeito, mesmo daqueles que têm uma consciência
que o racismo é algo maléfico”.
Ao constatar que tal percepção de
privilégio é recorrente no cotidiano das pessoas tidas por brancas, pretende-se
que elas assumam uma posição crítica quanto ao racismo estabelecido na
sociedade brasileira.
Sobre a pesquisa, a Professora Lia
afirmou que branquitude é o nome dado àquilo que é chamado de identidade racial
branca: há uma diferença entre identidade e identificações. No conceito da
psicologia, as identificações têm a ver com o que o sujeito ao longo de sua
vida vai se identificando como, por exemplo, práticas culturais, religiosas
etc.. Esses fatores não retiram dele a identidade, já que identidade não é o
sujeito que escolhe. Branquitude é diferente de brancura: a brancura tem a ver
com a cor da pele da cada um. A branquitude é a transformação do significado de
brancura numa identidade racial de poder, o que ocorre em sociedades
estruturadas pelo racismo. O Brasil é uma dessas sociedades que tem uma
estrutura racista, ou seja, brancura é referente à cor da pele e branquitude
refere-se às relações de poder na sociedade.
A pesquisa foi realizada a partir
de entrevistas que a pesquisadora fez com pessoas que se autodeclaram brancas e
que vivem na cidade de São Paulo. Tais entrevistas, que estão transcritas no
mencionado livro, foram trazidas pela palestrante, que leu e comentou trechos,
a partir dos quais se tornou possível perceber o quanto as pessoas têm integral
clareza de seus privilégios e o quanto alimentam, em seus íntimos, estereótipos
relativos aos negros (quanto a estética, acesso a bens e serviços, juízos de
valor etc.).
Um branco jamais se preocupa, ao
levantar-se pela manhã, com as situações daquele que dia que nasce nas quais
ele será alvo de preconceito racial; um branco que tome a direção de seu
veículo numa estrada jamais cogita de quantas vezes será fiscalizado por
policiais rodoviários até que chegue ao seu destino; uma mãe branca jamais se
preocupará com a reação de seu filho ao ser reiteradamente submetido a revista
pessoal por policiais, ao ir ao voltar para seu trabalho. Todas estas
ansiedades e preocupações são recorrentes dentre os negros brasileiros.
Lembrou, ainda, a Professora, que
o conceito de raça não tem qualquer fundamento biológico, sendo resultado de
mera construção sociológica, que leva à distinção entre as pessoas por força
exclusivamente do fenótipo. Por isso, a própria percepção subjetiva do racismo
varia conforme a tez seja mais ou menos escura; conforme o cabelo seja mais ou
menos crespo; conforme apresente a pessoa traços característicos (nariz,
lábios) mais ou menos pronunciados.
Em consequência, pode-se concluir
que o racismo não é uma escolha, mas, sim, algo que a criança aprende desde o
nascimento, já que todas as suas vivências são marcadas pelas diferentes
oportunidades na garantia de direitos havidas entre brancos e negros. E é este
aprendizado que naturaliza o racismo no Brasil.
A lição maior que se pode tirar da
ótima pesquisa e da exposição da brilhante pesquisadora é que o racismo é
estado de espírito que todos temos que perscrutar em nossos íntimos, como forma
de se evitar as manifestações de preconceito racial, que tendem a se
naturalizar se não forem enfrentados em sua raiz, isto é, no psiquismo formado
sob o pálio da “branquitude”.
Assista aqui a
íntegra da palestra da Professora Lia publicada no canal do MP-SP no youtube.
Obra para contribuir com a discussão no tema:
ResponderExcluirMIRANDA, Jorge Hilton de Assis. Perspectivas de rappers brancos/as brasileiros/as sobre as relações raciais: um olhar sobre a branquitude. Salvador, 2015. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade. Universidade Estadual da Bahia – UNEB.
Baixe a dissertação completa "Perspectivas de rappers brancos..." pdf
(Via mediafire)
http://www.mediafire.com/download/yz2diiaiei41hic/PERSPECTIVAS+DE+RAPPERS+BRANCOS+BRASILEIROS+SOBRE+AS+RELA%C3%87%C3%95ES+RACIAIS+-+UM+OLHAR+SOBRE+A+BRANQUITUDE
(Via academia.edu)
https://www.academia.edu/19946731/PERSPECTIVAS_DE_RAPPERS_BRANCOS_AS_BRASILEIROS_AS_SOBRE_AS_RELA%C3%87%C3%95ES_RACIAIS_um_olhar_sobre_a_branquitude
(Via slideshare)
http://pt.slideshare.net/JorgeHilton1/perspectivas-de-rappers-brancosas-brasileirosas-sobre-as-relaes-raciais-um-olhar-sobre-a-branquitude?utm_source=slideshow&utm_medium=ssemail&utm_campaign=post_upload_view_cta