DICA de leitura:
Fonte: Portal Outras Palavras (Outros Livros)
Como vivem os políticos na Suécia: um trecho revelador de um novo livro
Claudia Wallin, jornalista brasileira radicada na Suécia, acaba de lançar um livro sobre os políticos suecos – “Um País Sem Excelências e Mordomias” (Geração Editorial). Abaixo, um trecho que retrata, em detalhes, a cultura escandinava.
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preciso aceitar os sacrifícios que se avizinham”, murmura para si
próprio um sueco no momento revelador em que a sua real vocação para a
carreira política se manifesta como um desejo irrefreável. ”Serão
abomináveis os desafios”, alerta um forasteiro: os cintos apertados como
os da amorfa massa do povo, a ausência de alegres comitivas de inúteis,
os apartamentos funcionais que lembram quartos de hotéis de duas
estrelas, a falta que hão de fazer os batalhões de assessores e
parasitas. Quando tal provação parecer insuportável, será prudente
invocar Mímir, o deus venerado pelos vikings por sua sabedoria infinita e
pela cabeça que, mesmo decepada pelos inimigos, continua a pensar.
A
Suécia não oferece luxo aos seus políticos: nesta sociedade
essencialmente igualitária, a classe política não tem o status de uma
elite bajulada e nem os privilégios de uma nobreza encastelada no poder.
Sem direito a imunidade, políticos suecos podem ser processados e
condenados como qualquer cidadão. Sem carros oficiais e motoristas
particulares, deputados se acotovelam em ônibus e trens, como a maioria
dos cidadãos que representam.
Sem
salários vitalícios, não ganham a merecida aposentadoria após alguns
poucos anos de trabalho pelo bem do povo. Sem secretária particular na
porta, banheiro privativo ou copa com cafezinho, os gabinetes
parlamentares são espartanos e diminutos como a sala de um funcionário
de repartição pública. Sem verbas indenizatórias para alugar escritório
nas bases eleitorais, deputados suecos usam a própria casa, a sede local
do partido ou a biblioteca pública para trabalhar quando estão em suas
regiões de origem.
No jornal Aftonbladet, o primeiro-ministro sueco dá dicas de limpeza. |
”Está
bom, mas pode ficar melhor”, resmunga o motorista de táxi que me leva
do aeroporto de Arlanda ao centro de Estocolmo, a capital sueca. Ele
reclama indignado, como tantos outros, do valor do salário líquido de um
deputado do Parlamento sueco: horror dos horrores, é cerca de 50 por
cento a mais do que ganha em média um professor primário no país. Um
privilégio indefensável, que na lógica do motorista deveria estar em
processo acelerado de extinção. Não é preciso consultar a cabeça de
Mímir para deduzir que este é um povo que sabe quem é o patrão.
”Sou
eu que pago os políticos”, resumiu o cidadão sueco Joakim Holm, durante
entrevista gravada em uma rua de Estocolmo para reportagem do Jornal da
Band. ”Não vejo razão alguma para dar a eles uma vida de luxo”.
”Os
políticos são eleitos para trabalhar para mim e para todos os outros
cidadãos que pagam impostos. Aqui ninguém acha que os políticos são uma
classe superior com direito a privilégios”, disse outro entrevistado,
Mikael Forslund.
A
nível municipal, o desejo de exercer a atividade política poderia ser
mal interpretado, fora da Suécia, como um caso clínico: vereadores
suecos não ganham sequer salários, e também não têm direito a gabinete –
trabalham de casa. Estarão os seus nervos em desordem?
O que o modelo sueco demonstra é que as camisas de força se ajustariam melhor ao figurino das platéias entorpecidas de outras latitudes, que assistem, bovinizadas, ao fascinante espetáculo diário dos abusos do poder. A experiência da Suécia subverte o desconexo conceito de que aos políticos deve-se dispensar um tratamento reverencial digno de uma casta superior, formada por cavalheiros e damas mais ilustres do que a média, e portanto com direitos quase divinos a benesses jamais alcançáveis pelos cidadãos que vivem sob o Olimpo político.
O que o modelo sueco demonstra é que as camisas de força se ajustariam melhor ao figurino das platéias entorpecidas de outras latitudes, que assistem, bovinizadas, ao fascinante espetáculo diário dos abusos do poder. A experiência da Suécia subverte o desconexo conceito de que aos políticos deve-se dispensar um tratamento reverencial digno de uma casta superior, formada por cavalheiros e damas mais ilustres do que a média, e portanto com direitos quase divinos a benesses jamais alcançáveis pelos cidadãos que vivem sob o Olimpo político.
Ainda
lembro da estranha sensação de estar presenciando um fenônemo
extraterreno quando encontrei, pela primeira vez, o ex-primeiro-ministro
e atual ministro das Relações Exteriores, Carl Bildt, empurrando seu
carrinho de compras no supermercado que frequento em Estocolmo. E o
prefeito de Estocolmo, Sten Nordin, na fila do ônibus. E o presidente do
Parlamento, Per Westerberg, em um vagão do metrô.
Sem
desesquilíbrios sociais monstruosos, este é sem dúvida um país mais
seguro e menos violento, onde provavelmente os únicos carros blindados
que circulam pelas ruas são guiados pelas forças de segurança. Mas mais
que isso, esta é uma sociedade que elege políticos mais próximos da
realidade e das dores do cidadão comum. Políticos que em geral não
colocam a vaidade ou os interesses próprios na frente dos bois, em uma
sociedade que mostra que o exercício da função política pode ser digno.
”Na
Suécia, os políticos vivem uma vida simples, em condições semelhantes
às que vivem os cidadãos. É uma tradição”, diz o jornalista Mats
Knutson, apresentador e comentarista político da TV pública SVT.
Na
década de 70, o então primeiro-ministro Olof Palme morava em sua
própria casa no subúrbio de Vällinby, e costumava dirigir para a sede do
Governo em um velho Fiat vermelho.
”Era
um Fiat 600, fabricado na antiga Alemanha Oriental”, conta Mårten
Palme, filho de Olof Palme e professor de Economia da Universidade de
Estocolmo. ”Meu pai prezava a igualdade e a simplicidade, e vivíamos uma
vida normal. Nossa casa de verão na ilha de Fårö era bastante
primitiva, e não havia sequer água ou eletricidade”, ele me diz.
O
antecessor de Palme, Tage Erlander, tomava o bonde para a sede do
Governo. Ou ia de carona com a mulher, que trabalhava perto dali.
Os suecos só decidiram criar uma residência oficial para o
primeiro-ministro depois de 1986, quando Olof Palme foi assassinado a
tiros na saída do cinema quando caminhava para casa sem escolta, em um
crime brutal e nunca solucionado. Seu sucessor, o também
social-democrata Ingvar Carlsson, mudou-se aparentemente contrariado
para a nova residência oficial. Diz-se que Carlsson, que renunciaria ao
poder tempos depois, achava inapropriado para um primeiro-ministro sueco
morar num lugar chamado de Palácio – ao construir a casa em 1884, a
abastada família Sager a batizara de Palácio Sagerska.
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Turistas
menos atentos pisam, sem se dar conta, a um metro da porta de entrada
da casa do primeiro-ministro sueco. Sem portões externos, a residência
oficial de Sagerska está situada na Strömgatan, a rua de pedestres que
margeia o Mar Báltico e o lago Mälaren nas proximidades do Parlamento.
Com uma área de 305 metros quadrados, os aposentos privados do premier
ocupam o andar superior da residência de 1,195 metros quadrados, vigiada
do lado de fora por duas câmeras disfarçadas e pela presença ocasional
de um Volvo das forças de segurança suecas.
Sagerska é uma bela mansão. Mas não há serviçais no apartamento do primeiro-ministro sueco, Fredrik Reinfeldt.
”A limpeza dos aposentos privados do primeiro-ministro é feita uma vez
por semana. Por este serviço, o primeiro-ministro deve pagar impostos em
sua declaração de renda”, diz Anna Dahlén, assessora de imprensa do
governo sueco.
Sem
provocar reações de espanto sobrenatural entre a população, Fredrik
Reinfeldt fala com naturalidade que lava, passa e cozinha como a maioria
dos cidadãos deste país. ”E por que ele não faria isso, se todos nós
fazemos?”, ouço de vários suecos.
Há
quem vá sentir o cheiro acre da demogagia populista ao saber que na
Suécia o primeiro-ministro dá dicas de limpeza em reportagens de jornal,
e aconselha seus concidadãos a ajoelhar para raspar a sujeira. Mas a
verdade é que cuidar das tarefas domésticas por aqui é tão natural como
beber snaps, o destilado consumido em quantidades imoderadas no país.
Na Suécia, como em tantos outros países do mundo, a instituição da empregada doméstica não existe. Entre os suecos mais radicais, o zelo pela igualdade e o medo do ressurgimento de uma subclasse social chega a provocar reações exaltadas. Em um debate da campanha eleitoral de 2006, flechas voaram contra a então líder do Partido de Centro (Centerpartiet), Maud Olofsson, quando ela defendeu a introdução de abatimentos fiscais para permitir aos suecos contratar faxineiras e aliviar assim sua dupla jornada.
Na Suécia, como em tantos outros países do mundo, a instituição da empregada doméstica não existe. Entre os suecos mais radicais, o zelo pela igualdade e o medo do ressurgimento de uma subclasse social chega a provocar reações exaltadas. Em um debate da campanha eleitoral de 2006, flechas voaram contra a então líder do Partido de Centro (Centerpartiet), Maud Olofsson, quando ela defendeu a introdução de abatimentos fiscais para permitir aos suecos contratar faxineiras e aliviar assim sua dupla jornada.
”E quem limpa o banheiro da empregada?”, perguntou, irritado, o intermediador do debate na TV4, Göran Rosenberg.
”E quem pinta a casa do pintor?”, retrucou Maud. ”A faxineira também pode contratar ajuda quando precisar”, argumentou ela.
A inesperada proposta de Maud também foi atacada pelo primeiro-ministro da época, o social-democrata Göran Persson.
”Cada pessoa deve cuidar das próprias tarefas domésticas, é o que eu digo”, falou o primeiro-ministro.
Persson disse mais: contou, com orgulho indisfarçável, que era capaz de
passar sua camisa social em um minuto. Foi, então, rapidamente convidado
para provar a façanha ao vivo no estúdio de um programa de TV, onde foi
montada uma tábua de passar roupa. O feito, devidamente cronometrado
pelo apresentador do programa, pode ser visto no Youtube .
As
peripécias com o ferro renderam picos de audiência ao
primeiro-ministro. Mas naquele ano, depois de dez anos no poder, Persson
perdeu as eleições. Maud tornou-se vice-primeira-ministra, e muitos
suecos passaram a ter a ajuda ocasional de faxineiras, em sua maioria
imigrantes polonesas. Praticamente todos continuam no entanto a lavar,
cozinhar e passar, como Göran Persson.
Ministros
também vivem sem luxo: eleito pelo jornal britânico Financial Times
como o melhor ministro das Finanças da Europa em 2011, o sueco Anders
Borg mora em Estocolmo durante a semana, segundo confirma seu porta-voz,
em um apartamento funcional conjugado de cerca de 25 metros quadrados.
”Políticos suecos são despretensiosos”, comenta o porta-voz de Borg, Peter Larsson.
O apartamento de um só cômodo do ministro das Finanças, segundo o porta-voz, fica em um edifício que serve de acomodação para estudantes da Escola Superior de Guerra sueca (Försvarshögskolan). No prédio vivem ainda alguns funcionários do Ministério sueco das Relações Exteriores. Nos finais de semana, Borg vive com a família em sua casa na região de Katrineholm, ao sul de Estocolmo.
O apartamento de um só cômodo do ministro das Finanças, segundo o porta-voz, fica em um edifício que serve de acomodação para estudantes da Escola Superior de Guerra sueca (Försvarshögskolan). No prédio vivem ainda alguns funcionários do Ministério sueco das Relações Exteriores. Nos finais de semana, Borg vive com a família em sua casa na região de Katrineholm, ao sul de Estocolmo.
Nem
ministros, nem prefeitos e nem o presidente do Parlamento têm direito a
residência oficial. Apenas políticos com base eleitoral fora da capital
recebem auxílio-moradia para viver em apartamentos ou mesmo quitinetes
funcionais, que têm em média 18 metros quadrados.
Parece pouco para criaturas tão excelsas, mas está melhor do que nunca: até o fim dos anos 80, apartamentos funcionais sequer existiam na Suécia. Todos os parlamentares dormiam em sofás-cama, em seus próprios gabinetes. Hoje, todos têm um apartamento garantido. E esta garantia é, para muitos suecos que disputam um imóvel no centro da capital, uma mordomia inexplicável.
Parece pouco para criaturas tão excelsas, mas está melhor do que nunca: até o fim dos anos 80, apartamentos funcionais sequer existiam na Suécia. Todos os parlamentares dormiam em sofás-cama, em seus próprios gabinetes. Hoje, todos têm um apartamento garantido. E esta garantia é, para muitos suecos que disputam um imóvel no centro da capital, uma mordomia inexplicável.
”Por
que os deputados não precisam entrar na fila das imobiliárias para
conseguir um apartamento, como todos nós?”, diz uma funcionária da
creche que funciona dentro do Parlamento. Sim, há uma creche no
Parlamento para cuidar de filhos de deputados.
O apartamento funcional pode ser um direito garantido. Mas a cama, não. Em grande parte dos imóveis parlamantares, onde um único cômodo serve como sala e quarto de dormir, há apenas um sofá-cama.
O apartamento funcional pode ser um direito garantido. Mas a cama, não. Em grande parte dos imóveis parlamantares, onde um único cômodo serve como sala e quarto de dormir, há apenas um sofá-cama.
Qual é a origem da frugal existência dos políticos suecos? Vou ao
encontro da jornalista Lena Mehlin na sede do jornal Aftonbladet, onde
ela assina uma das colunas políticas mais lidas do país.
”Mas eles têm privilégios”, reage Lena.
”Quais?”, quero saber.
”Os
políticos não precisam pagar suas contas de telefone. Eles têm direito a
viver de graça em apartamentos no centro de Estocolmo. Eles recebem um
computador para levar para casa, e não pagam pela assistência técnica.
Eles ganham mais do que a média dos cidadãos. E os parlamentares que vêm
de outras bases eleitorais também viajam de graça para suas casas, nos
finais de semana”, enumera a jornalista. ”Se algum cidadão arranjar
emprego em outra cidade, nenhum empregador vai pagar suas viagens no fim
de semana”.
Pergunto
a Lena se estes são benefícios considerados razoavelmente modestos na
Suécia, em comparação às benesses que políticos recebem em outros
países.
”Pode
ser. Os políticos suecos não têm luxo, pois somos uma sociedade que
elegeu a igualdade entre os cidadãos como um valor fundamental. Mas eles
têm privilégios”, ela insiste.
”Mas não privilégios como, por exemplo, parlamentares circulando em carros oficiais com motoristas particulares?”, digo.
”Carros com motorista para deputados? Meus Deus, não!”, sobressalta-se
Lena. ”Benesses deste gênero criam problemas que você não precisa ter.
Como a corrupção. Para obter um emprego desses na política, muitos não
hesitariam em cometer atos sujos”, pondera Lena.
Pergunto
qual seria a reação dos suecos se os políticos do país decidissem, em
uum devaneio impensado e incontrolável, aumentar seus próprios salários,
ter direito a pensão vitalícia, ocupar espaçosos gabinetes com copa e
cafezinho servido por secretárias, empregar dezenas de assistentes
particulares e parentes, andar de jatinhos e circular em carros oficiais
com motorista. Tudo pago com o dinheiro dos cidadãos.
”A sociedade sueca jamais toleraria a concessão de privilégios aos seus políticos”, ela diz.
”Isto é uma das poucas coisas que poderiam causar uma revolução aqui na Suécia.”
”Isto é uma das poucas coisas que poderiam causar uma revolução aqui na Suécia.”
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