sexta-feira, 10 de abril de 2020

Perca a cabeça!

Pratique a acefalia

Há muitas formas de se chegar à meditação. E há também muitas técnicas e formas distintas que podem ajudar a se alcançar distintos estados meditativos. Qual é melhor, qual ajuda e qual atrapalha, dependerá de cada pessoa em particular.
De qualquer modo, a primeira observação que acredito seja relevante é lembrar que nunca se deve confundir "meditação" com algum tipo de imaginação, mentalização, oração, intenção, conversação interna ou pensamento reflexivo. 
Há sim técnicas para se atingir a meditação que os especialistas chamam de ativas (nas quais o corpo se movimenta ordenada ou desordenadamente) e passivas (com o corpo parado, quieto). 
Porém, toda vez que a técnica recorre ao auxílio da imaginação, de mantrans, intenções, mentalizações,  objetos externos, música etc, é importante lembrar que você ainda não está propriamente "meditando", mas sim utilizando uma ferramenta para chegar (ou voltar) ao seu estado natural, o estado de meditação.
Assim, na medida em que você melhora sua concentração, as muletas e ferramentas auxiliares que no início foram eventualmente úteis, podem e devem ser dispensadas. Cedo ou tarde, precisaremos abandonar qualquer muleta ou apoio e seguir meditando, pura e simplesmente. Neste sentido, a meditação vipassana é um bom exemplo de meditação que o levará diretamente ao ponto da meditação, sem atalhos.
Por outro lado, é um engano acreditar que se pode voltar ao estado natural (meditação) instantaneamente, com a mente no atual grau de agitação e indisciplina (dispersa e acelerada). É óbvio que a visão da realidade, a visão de profundidade, só se torna possível quando as ondas no lago da mente se acalmam. A meditação é um estado natural do ser humano que se perdeu. Por isso, aconselha-se ao "meditador" que busque inicialmente colocar sua atenção na respiração, que também é algo natural. Uma vez que você consegue observar atentamente sua própria respiração natural, não entrecortada, não artificial, não forçada, nossa mente tenderá a acompanhar, acalmando-se também aos poucos. 
Aos poucos escapa-se da ditadura do pensamento acelerado.
Osho sempre falou bastante sobre a importância de se tirar o foco da mente, do pensamento compulsivo e mecânico.
Abaixo segue um interessante exemplo de meditação ativa, na intenção específica de facilitar o estado meditativo. Segue o trecho extraído da obra de Osho, "Meditação: A Primeira e Última Liberdade".

Da cabeça ao coração

 

(...)O primeiro objetivo: experimente ser acéfalo. Visualize a si mesmo como acéfalo; aja como se fosse. Essa sugestão parece ridícula, ilógica, mas é um dos exercícios mais importantes. Experimente e entenderá. Caminhe sentindo-se como se não tivesse cabeça. No princípio será apenas “como se”. Quando começar a sentir que não tem cabeça, achará esquisito e estranho. Mas em pouco tempo você estará se acomodando no coração.

Existe uma lei. Você talvez tenha notado que uma pessoa que é cega tem uma audição mais sensível, um ouvido mais musical. As pessoas cegas possuem uma sensibilidade para a música mais profunda. Por quê? A energia que normalmente circula pelos olhos, no caso, não pode passar por eles, então escolhe um caminho diferente que passa pelas orelhas.

Os cegos têm maior sensibilidade no tato. Se um cego lhe tocar, você sentirá a diferença, porque normalmente exercemos grande parte do nosso tato usando os olhos: costumamos nos tocar uns aos outros por meio dos olhos. Um cego não tem como exercer o tato com os olhos, assim a energia corre pelas mãos dele. Um cego é mais sensível que qualquer outra pessoa cujos olhos sejam sadios. Há exceções, mas geralmente é assim. A energia começa a circular a partir de outro centro se determinado centro não estiver atuante.

Assim sendo, experimente este exercício de que estou falando -o exercício de acefalia - e sentirá uma coisa estranha: será como se, pela primeira vez, você estivesse no coração. Caminhe sem cabeça. Sente-se para meditar, feche os olhos e sinta que não há uma cabeça. Sinta: “A minha cabeça desapareceu.” No princípio será apenas “como se”, mas em pouco tempo você sentirá que a sua cabeça realmente desapareceu. Quando sentir que a sua cabeça desapareceu, o seu centro recairá sobre o coração, imediatamente! Você estará olhando para o mundo com o coração e não com a cabeça.

Quando os ocidentais chegaram pela primeira vez ao Japão, eles não conseguiam acreditar que, durante séculos, os japoneses tradicionalmente acreditavam que pensavam com a barriga. Se perguntarmos a uma criança japonesa que não tenha sido educada segundo o estilo ocidental: “Onde fica o seu pensamento?”, ela apontará para a barriga.

Séculos e séculos se passaram e o Japão tem vivido sem a cabeça. Isso é apenas um conceito. Se eu lhe perguntar: “Por onde você pensa?”, você apontará para a cabeça, mas um japonês apontará para a barriga. Esse é um dos motivos pelos quais a mente japonesa é mais calma, quieta e tranquila.

Atualmente já não é mais assim, porque o Ocidente se espalhou por toda parte. Hoje não existe mais Oriente, que permanece apenas em alguns indivíduos que são como ilhas, aqui e ali. Geograficamente, o Oriente desapareceu e o mundo inteiro é ocidental.

Pratique a acefalia. Medite em pé diante do espelho do banheiro. Olhe profundamente nos seus olhos e sinta que você está olhando com o coração. Em pouco tempo o centro do coração começará a funcionar. E quando o coração funciona, ele muda totalmente a sua personalidade, todo o seu organismo, todo o seu modo de ser, porque o coração tem um estilo próprio.

Primeiro pratique a acefalia. Em seguida, seja uma pessoa mais carinhosa, porque o amor não funciona através da cabeça. É por isso que, quando uma pessoa está apaixonada, dizemos que “perdeu a cabeça”: é como se tivesse ficado louca. Se não estiver apaixonado e maluco, você não está realmente apaixonado. E preciso perder a cabeça. Se ela não for afetada, se estiver funcionando normalmente, não é possível amar, porque para amar é preciso que o coração funcione e a cabeça não. Essa é uma função do coração.

É difícil descer do pedestal. Torna-se uma postura rígida. Se você é um empresário, continua sendo até na cama. É difícil acomodar duas pessoas internamente e não é fácil mudar o seu modo de ser radicalmente, imediatamente, no momento em que você decidir. Sei que é difícil, mas, se estiver apaixonado, terá de descer do alto de sua cabeça.

Para essa meditação, experimente ser uma pessoa mais carinhosa. Quando digo isso, estou lhe dizendo para mudar o caráter de seus relacionamentos: faça com que sejam baseados no amor. Torne-se mais carinhoso não só com seu parceiro, seus filhos ou seus amigos, mas em relação à vida como um todo. É por isso que Mahavir e Buda falavam sobre a não-violência: para criar uma atitude de carinho em relação à vida.

Quando Mahavir anda ou faz qualquer movimento, ele permanece atento para não matar nem mesmo uma formiga. Por quê? A formiga não é a questão. Mahavir sai da cabeça e vai para o coração, criando uma atitude de carinho em relação à vida como um todo.

Quanto mais os seus relacionamentos se basearem no amor, mais o seu centro do coração irá funcionar. E quando esse centro funcionar, você verá o mundo com outros olhos, porque o coração tem a sua própria maneira de ver o mundo. A mente não consegue ver dessa maneira, ela só consegue analisar! O coração sintetiza, enquanto a mente disseca e divide. Só o coração produz a unidade.

Quando for capaz de ver com o coração, o universo inteiro parecerá um todo único, uma unidade. Quando você observa com a mente, o mundo inteiro se torna atômico. Não existe unidade: só átomos e átomos e átomos. O coração proporciona a sensação da unidade. Ele reúne e a síntese final é Deus. Se for capaz de ver com o coração, o universo inteiro será um e essa unidade será Deus.

É por isso que a ciência nunca consegue encontrar Deus. É impossível, porque o método aplicado nunca consegue alcançar a suprema unidade. O método característico da ciência é a razão, a análise, a divisão. Desse modo, a ciência chega a moléculas, átomos, elétrons, e eles continuam a ser divididos. Eles não podem nunca chegar à unidade orgânica do todo. É impossível ver o todo com a cabeça.


Osho, em "Meditação: A Primeira e Última Liberdade"

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