quinta-feira, 21 de novembro de 2013

O sujeito do discurso e a subjetivação



O sujeito do discurso e a subjetivação





O sujeito da Análise do Discurso não é o de Descartes (homem dono de si, consciente de suas ações e capaz de conhecer a verdade por meio da razão), nem o das Ciências Exatas (capaz de explicar o objeto através de um conhecimento imparcial). Não é novidade para nós que o sujeito exterior à realidade pesquisada e que observa o fenômeno com imparcialidade, neutralidade e objetividade é uma ficção. 

Tampouco esse sujeito é aquele idealizado e baseado na crença de que todos os falantes de uma mesma comunidade falam a mesma língua, pois sabemos que o sujeito falante a utiliza em conformidade com o contexto sociocultural no qual coexiste.  O sujeito do discurso não pode igualmente ser reduzido aos elementos gramaticais de uma análise morfossintática, pois ele é historicamente determinado. Na Análise do Discurso (A.D.), deve-se considerar que indivíduos não entendidos como “seres que têm uma existência particular no mundo” (ser humano individualizado). O sujeito discursivo deve ser considerado sempre como um ser social, apreendido em um espaço coletivo (idem). 
Para a A.D., o sujeito do discurso é histórico (não está isolado do mundo que o cerca), social (por ser apreendido num espaço coletivo) e descentrado (afetado pelo real da língua e também pelo real da história, não tendo o controle sobre o modo como elas o afetam). 
A A.D. defende uma teoria não-subjetiva do sujeito. Como explica Fernandes, “a constituição do sujeito discursivo é marcada por uma heterogeneidade decorrente de sua interação social em diferentes segmentos da sociedade”. Isso quer dizer que o sujeito, segundo BRANDÃO:
1) não ocupa uma posição central na formação do discurso (não há sujeito em si, mas é socialmente, transpassado pela ideologia);
2) não é fonte do que diz (na sua fala, outras falas se dizem: polifonia);
3) não possui identidade fixa e estável (há vários ‘eus’ dentro de cada sujeito). 

O que define de fato o sujeito? O que o define é o lugar de onde fala. Foucault concluiu que não importa quem fala, mas o que ele diz, o qual não é dito de qualquer lugar, mas em um dado espaço de representação social. Vejamos os exemplos do pai, do médico ou do professor etc. Pode-se dizer que o sujeito é um acontecimento simbólico. “Se não sofrer os efeitos do simbólico, se não se submeter à língua e à história, ele não se constitui, ele não fala, ele não produz sentidos” (ORLANDI). 
A ilusão da unidade pode ser desfeita pela simples análise da polifonia inerente a todo sujeito. Nota-se que o sujeito é constituído por múltiplos “eus”. Não há centro, pois o seu interior está repleto de várias vozes. Quando o sujeito fala, o seu dizer não mais lhe pertence: “Ele é portador de várias vozes enunciativas. Ele é dividido, pois carrega consigo vários tipos de saberes” (CHARAUDEAU).
Além disso, um sujeito pode ocupar várias posições no texto. Um único indivíduo pode assumir o papel de diferentes sujeitos. O sujeito é sempre caracterizado pela incompletude e é um eu pluralizado, pois se constitui “na” e “pela interação verbal”. “É múltiplo porque atravessa e é atravessado por vários discursos.” (ORLANDI). 
Não existe sujeito sem discurso, pois é este mesmo discurso que irá criar o espaço representacional para aquele sujeito. Paradoxalmente, o sujeito produz o discurso e simultaneamente é produzido por ele.  O sujeito é “inventado” pelo discurso, por meio do processo denominado “subjetivação”.
Também devemos observar que é o olhar de um outro que permite a constituição de uma imagem unitária do eu. O eu só tem sentido quando o outro lhe atravessa, ou seja, não existe subjetividade sem a intersubjetividade. Ademais, não existe alteridade que esteja fora do eu, os dois não estão separados por uma fronteira muito bem definida. Na verdade, ambos são uma combinação de vozes, que formam um saber sobre si e sobre o outro, reforçado pelos “jogos de poder”. 
O discurso tampouco é fruto de um sujeito que pensa e sabe o que quer. Seria o discurso que determina o que o sujeito deve falar? Seria o discurso que estipula as modalidades enunciativas? O sujeito preexiste ao discurso? Ou ele é uma construção no discurso, sendo este um feixe de relações que irá determinar o que dizer quando e de que modo. (NAVARRO-BARBOSA). 
Em geral, pensamos um indivíduo ligado a uma identidade e, deste modo, não percebemos que somos consequência da interação de poderes múltiplos (patrão, escola, família, dentre outros) que interferem em cada um de nós e nossas vidas, para elaborar complexas representações de subjetividades, impondo formas de individualidades. 
Foucault chamou a isso de “Técnicas de Si” (ou tecnologias do eu), ou seja, “procedimentos que fixam, mantêm e transformam a identidade, em função de determinados fins”. Porém, todo processo de subjetivação é falho, contém lacunas, deixando espaços para resistências. A subjetivação é instrumentalizada pela linguagem, mas esta não consegue nomear nada, sem que haja falhas. 
A identidade do sujeito não é fixa, pois sofre efeitos do poder, está em constante processo de produção ou construção, transmutando-se perenemente (FERNANDES).  Assim, torna-se de fato impossível moldar uma forma que defina o sujeito sem essa relação que trava com o outro. Fernandes afirma que “compreender o sujeito discursivo requer compreender quais são as vozes sociais que se fazem presente em sua voz”. 
Segundo a A.D., “o poder é quem administra os saberes sobre o indivíduo de modo a traçar-lhes um perfil ideal e condicioná-los a serem passivos politicamente e ativos economicamente”.
A elaboração de um certo estilo de vida semelhante para todos os indivíduos de certa comunidade é uma tática para melhor controle. Assim, tenta fazê-los responder de forma previsível aos comandos do poder. A este processo, a A.D. chama de “processo de subjetivação”. O poder cria uma verdade sobre o sujeito com o fim de regulá-lo e controlá-lo.


Síntese elaborada com base na seguinte fonte bibliográfica:

Artigo “Fundamentos da Análise do Discurso”, de Eduardo de Araújo Carneiro e Egina Carli de Araújo Rodrigues Carneiro - Publicado em 11.07.2007. Disponível em : http://www.duplipensar.net/artigos/2007s1/notas-introdutorias-analise-do-discurso-fundamentos.html




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