Vamos
admitir. O Zen é um tédio. Você não encontrará uma prática mais maçante
e tediosa que o Zazen. A filosofia é árida e nada empolgante. Para mim é
incrível que alguém ainda leia esta página. Você não percebe que
poderiam estar jogando Tetris, bem agora? Que existem milhões de sites
pornôs por aí? Por que você não arranja outra coisa para fazer?
Joshu
Sasaki, um professor Zen da escola Rinzai, uma vez disse que os
professores budistas sempre tentam conduzir seus estudantes ao Mundo de
Buda, mas, se os estudantes soubessem o quanto seco e sem gosto o Mundo
de Buda realmente é, eles nunca desejariam visitar tal lugar. Joshu está
certo.
Olhe para os professores Zen. Nenhum deles tem a menor noção de
tendências, de moda. Eles sentam por aí olhando para paredes vazias.
Pergunte a eles sobre levitação, eles não lhe dirão nada. Indague-os
sobre a vida após a morte, eles mudam de assunto. Tente tratar de
milagres e eles começam a jorrar coisas sem noção como carregar baldes
d’água e cortar lenha para fogueiras. Eles vão para cama cedo e acordam
cedo. Zen é filosofia para nerds.
O tédio é importante. A maior
parte de nossa vida é enfadonha, sem gosto e entediante. Se você
praticar Zazen, você vai aprender muito sobre tédio... me lembro da
primeira vez que fiz Zazen. Estava muito empolgado. Imaginava que teria
visões de Krishnas com muitos braços descendo dos Céus ou que eu
desvaneceria no Vácuo exatamente como a música dos Beatles ou alcançaria
o Nirvana (seja lá o que isso fosse) ou alguma outra coisa maravilhosa.
Mas o relógio apenas continuava a ticar, minhas pernas começavam a doer
e pensamentos tolos continuavam a me tirar do eixo. Talvez eu não
esteja fazendo as coisas do jeito correto, pensava. Mas não, anos após
ano a mesma coisa. Tédio, tédio, tédio. Passados 20 anos, continua
entendiante como o diabo.
As pessoas odeiam suas vidas cotidianas.
Querem algo maior. Pensamos: “Esta nossa vida de labuta é entediante,
aborrecedora e ordinária. Mas um dia, um dia…”
Tem um episódio do The
Monkees onde o Mike Nesmith diz que, quando ele estava no colégio,
costumava caminhar para fora dos palcos da escola com a guitarra em mãos
pensando “um dia, um dia”. Num momento futuro, ele diz que agora (sendo
agora 1967, no auge da fama dos The Monkees) ele sai do palco na frente de
milhares de fãs pensando “Um dia, um dia”.
A vida é assim. Nunca será
perfeita.
Qualquer “dia” que você imagine, nunca chegará. Nunca. Não
importa o que seja. Não importa o quão bem você construa sua fantasia ou
o cuidado com que siga cada passo necessário para alcançá-la. Mesmo que
termine exatamente como você planejava, você acabará como Mike Nesmith.
“Um dia, uma dia…” lhe garanto.
Sua vida irá mudar. Com certeza.
Mas também não ficará nem melhor nem pior. Como podemos comparar o
presente com o passado? O que você sabe sobre o passado? Você não tem a
mínima noção! Você mal consegue se lembrar precisamente sobre o dia de
ontem, que dirá da semana passada ou de 10 anos atrás. O futuro?
Esqueça…
Pessoas anseiam por fortes emoções. Experiências
extremas. Algumas pessoas vem ao Zen esperando que a Iluminação seja a
Experiência Máxima. A Mãe de Todas as Experiências Máximas. Mas a
iluminação real é o mais ordinário do ordinário. Certa vez eu tive uma
visão maravilhosa. Vi-me transportado através do tempo e do espaço.
Milhões, não. Trilhões de zigalhões de anos se passaram. Não
figurativamente, mas literalmente. Passaram zunindo. Vi-me exatamente na
borda do tempo e do espaço, um gigante vasto composto de mentes e
corpos de todas as coisas vivas que já existiram. Foi uma incrível
experiência cinética. Emocionante. Fiquei semanas extasiado. Finalmente
contei ao Sensei Nishijima sobre o ocorrido. Ele disse que era devaneio.
Somente minha imaginação. Não posso lhes descrever como isto me fez
sentir. Imaginação?! Foi uma experiência tão real
quanto eu jamais tive. Eu estava a ponto de chorar. Depois, ainda no
mesmo dia, eu estava comendo uma mexerica. Percebi o quão incrível ela
era. Tão delicada. Tão maravilhosamente laranja. Tão saborosa. Então
contei a Nishijima sobre o ocorrido. Esta experiência, disse ele, era
iluminação.
Você precisa de um professor como este. O mundo de
hoje precisa de um monte de professores como este. Incontáveis professores
teriam interpretado minha experiência como a fusão entre minha alma e
Deus, como um possuidor de coisas grandes e maravilhosas, teriam se
comprazido com meu crescimento espiritual e me dado orientações sobre
como ainda além. E eu estaria ainda mais instigado, admito! Teria sido
fisgado. Se um professor não despedaçar suas ilusões, ele não estará lhe
fazendo nenhum favor.
Tédio é o que você precisa. Fundir-se com a
Mente de Deus na Borda do Universo, isto é excitação. É por isso que
estamos nessa coisa de Zen, certo? Comer mexericas? Fala sério, cara! O
que poderia ser mais entediante que comer mexericas?
Há alguns
anos atrás, alguns psicologistas fizeram um estudo no qual colocaram
alguns monges budistas e algumas pessoas comuns numa sala e ligaram eles
a máquinas EEG (eletroencefalograma) para gravar suas atividades
mentais. Pediram para todos que relaxassem e então introduziram um
estímulo repetitivo, um relógio funcionando alto, dentro da sala. O EEG
demonstrou que os cérebros das pessoas comuns paravam de reagir ao
estímulo depois de alguns segundos. Mas os dos budistas continuaram a
registrar cada tique-taque que ocorria. Psicologistas e jornalistas
nunca souberam interpretar exatamente o que aquela descoberta
significava, embora seja frequentemente citada. É uma questão simples.
Budistas prestam atenção a suas vidas. Pessoas comuns imaginam que tem
coisas melhor sobre o que pensar.
Tendo compreendido isto: olhe
para sua vida ordinária e você encontrará coisas realmente maravilhosas.
Nossa velha, banal e sem objetivo vida pode ser incrivelmente alegre –
surpreendentemente, espantosamente, incansavelmente, impiedosamente
alegre.
Inclusive, você não precisa fazer coisa alguma para experimentar
tal alegria. As pessoas acreditam que precisam de grandes e
interessantes experiências. E é verdade que experiências gigantescas,
traumáticas, algumas vezes trazem as pessoas, durante um piscar de
olhos, para um tipo de estado de iluminação. É por isso que esses tipos
de experiências são tão desejados. Mas elas se desgastam rapidamente e
você logo está de volta à procura da próxima excitação. Você não precisa
usar drogas, explodir coisas, ganhar a Fórmula 1 ou caminhar na lua.
Não precisa escalar com suas mãos nuas o Himalaia, nem se atracar com
sua apetecível secretária ou ficar na balada a noite inteira com pessoas
lindas. Não precisa ter visões sobre a união com a totalidade do
Universo. Simplesmente seja o que você é, onde você está.
Limpe o
banheiro. Leve o cachorro para passear. Faça seu trabalho. Esta é a
coisa mais mágica que existe. Se você realmente pretende se unir com
Deus, este é o modo de fazê-lo. Neste momento. Você sentado aí, com a
mão por debaixo da calça, mascando batata chips, rolando a tela do
computador e pensando “Esse cara tá maluco”. O agora é Iluminação. Este
momento nunca aconteceu antes e, uma vez que tenha acabado, nunca mais
voltará. Você é este momento. Este momento é você. Este mesmíssimo
instante é sua fusão com o Universo inteiro, com Deus mesmo.
A vida que você vive agora possui alegrias que nem Deus nunca saberá.
Fonte: Zen is boring – Brad Warner. Tradução de Bruno Melnic Pir
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