domingo, 24 de novembro de 2013

Tédio e zen

 
Vamos admitir. O Zen é um tédio. Você não encontrará uma prática mais maçante e tediosa que o Zazen. A filosofia é árida e nada empolgante. Para mim é incrível que alguém ainda leia esta página. Você não percebe que poderiam estar jogando Tetris, bem agora? Que existem milhões de sites pornôs por aí? Por que você não arranja outra coisa para fazer?

Joshu Sasaki, um professor Zen da escola Rinzai, uma vez disse que os professores budistas sempre tentam conduzir seus estudantes ao Mundo de Buda, mas, se os estudantes soubessem o quanto seco e sem gosto o Mundo de Buda realmente é, eles nunca desejariam visitar tal lugar. Joshu está certo.

Olhe para os professores Zen. Nenhum deles tem a menor noção de tendências, de moda. Eles sentam por aí olhando para paredes vazias. Pergunte a eles sobre levitação, eles não lhe dirão nada. Indague-os sobre a vida após a morte, eles mudam de assunto. Tente tratar de milagres e eles começam a jorrar coisas sem noção como carregar baldes d’água e cortar lenha para fogueiras. Eles vão para cama cedo e acordam cedo. Zen é filosofia para nerds.

O tédio é importante. A maior parte de nossa vida é enfadonha, sem gosto e entediante. Se você praticar Zazen, você vai aprender muito sobre tédio... me lembro da primeira vez que fiz Zazen. Estava muito empolgado. Imaginava que teria visões de Krishnas com muitos braços descendo dos Céus ou que eu desvaneceria no Vácuo exatamente como a música dos Beatles ou alcançaria o Nirvana (seja lá o que isso fosse) ou alguma outra coisa maravilhosa. Mas o relógio apenas continuava a ticar, minhas pernas começavam a doer e pensamentos tolos continuavam a me tirar do eixo. Talvez eu não esteja fazendo as coisas do jeito correto, pensava. Mas não, anos após ano a mesma coisa. Tédio, tédio, tédio. Passados 20 anos, continua entendiante como o diabo.

As pessoas odeiam suas vidas cotidianas. Querem algo maior. Pensamos: “Esta nossa vida de labuta é entediante, aborrecedora e ordinária. Mas um dia, um dia…”

Tem um episódio do The Monkees onde o Mike Nesmith diz que, quando ele estava no colégio, costumava caminhar para fora dos palcos da escola com a guitarra em mãos pensando “um dia, um dia”. Num momento futuro, ele diz que agora (sendo agora 1967, no auge da fama dos The Monkees) ele sai do palco na frente de milhares de fãs pensando “Um dia, um dia”.

A vida é assim. Nunca será perfeita.

Qualquer “dia” que você imagine, nunca chegará. Nunca. Não importa o que seja. Não importa o quão bem você construa sua fantasia ou o cuidado com que siga cada passo necessário para alcançá-la. Mesmo que termine exatamente como você planejava, você acabará como Mike Nesmith. “Um dia, uma dia…” lhe garanto.

Sua vida irá mudar. Com certeza. Mas também não ficará nem melhor nem pior. Como podemos comparar o presente com o passado? O que você sabe sobre o passado? Você não tem a mínima noção! Você mal consegue se lembrar precisamente sobre o dia de ontem, que dirá da semana passada ou de 10 anos atrás. O futuro? Esqueça…

Pessoas anseiam por fortes emoções. Experiências extremas. Algumas pessoas vem ao Zen esperando que a Iluminação seja a Experiência Máxima. A Mãe de Todas as Experiências Máximas. Mas a iluminação real é o mais ordinário do ordinário. Certa vez eu tive uma visão maravilhosa. Vi-me transportado através do tempo e do espaço. Milhões, não. Trilhões de zigalhões de anos se passaram. Não figurativamente, mas literalmente. Passaram zunindo. Vi-me exatamente na borda do tempo e do espaço, um gigante vasto composto de mentes e corpos de todas as coisas vivas que já existiram. Foi uma incrível experiência cinética. Emocionante. Fiquei semanas extasiado. Finalmente contei ao Sensei Nishijima sobre o ocorrido. Ele disse que era devaneio. Somente minha imaginação. Não posso lhes descrever como isto me fez sentir. Imaginação?! Foi uma experiência tão real quanto eu jamais tive. Eu estava a ponto de chorar. Depois, ainda no mesmo dia, eu estava comendo uma mexerica. Percebi o quão incrível ela era. Tão delicada. Tão maravilhosamente laranja. Tão saborosa. Então contei a Nishijima sobre o ocorrido. Esta experiência, disse ele, era iluminação.

Você precisa de um professor como este. O mundo de hoje precisa de um monte de professores como este. Incontáveis professores teriam interpretado minha experiência como a fusão entre minha alma e Deus, como um possuidor de coisas grandes e maravilhosas, teriam se comprazido com meu crescimento espiritual e me dado orientações sobre como ainda além. E eu estaria ainda mais instigado, admito! Teria sido fisgado. Se um professor não despedaçar suas ilusões, ele não estará lhe fazendo nenhum favor.

Tédio é o que você precisa. Fundir-se com a Mente de Deus na Borda do Universo, isto é excitação. É por isso que estamos nessa coisa de Zen, certo? Comer mexericas? Fala sério, cara! O que poderia ser mais entediante que comer mexericas?

Há alguns anos atrás, alguns psicologistas fizeram um estudo no qual colocaram alguns monges budistas e algumas pessoas comuns numa sala e ligaram eles a máquinas EEG (eletroencefalograma) para gravar suas atividades mentais. Pediram para todos que relaxassem e então introduziram um estímulo repetitivo, um relógio funcionando alto, dentro da sala. O EEG demonstrou que os cérebros das pessoas comuns paravam de reagir ao estímulo depois de alguns segundos. Mas os dos budistas continuaram a registrar cada tique-taque que ocorria. Psicologistas e jornalistas nunca souberam interpretar exatamente o que aquela descoberta significava, embora seja frequentemente citada. É uma questão simples. Budistas prestam atenção a suas vidas. Pessoas comuns imaginam que tem coisas melhor sobre o que pensar.

Tendo compreendido isto: olhe para sua vida ordinária e você encontrará coisas realmente maravilhosas. Nossa velha, banal e sem objetivo vida pode ser incrivelmente alegre – surpreendentemente, espantosamente, incansavelmente, impiedosamente alegre.

Inclusive, você não precisa fazer coisa alguma para experimentar tal alegria. As pessoas acreditam que precisam de grandes e interessantes experiências. E é verdade que experiências gigantescas, traumáticas, algumas vezes trazem as pessoas, durante um piscar de olhos, para um tipo de estado de iluminação. É por isso que esses tipos de experiências são tão desejados. Mas elas se desgastam rapidamente e você logo está de volta à procura da próxima excitação. Você não precisa usar drogas, explodir coisas, ganhar a Fórmula 1 ou caminhar na lua. Não precisa escalar com suas mãos nuas o Himalaia, nem se atracar com sua apetecível secretária ou ficar na balada a noite inteira com pessoas lindas. Não precisa ter visões sobre a união com a totalidade do Universo. Simplesmente seja o que você é, onde você está. 

Limpe o banheiro. Leve o cachorro para passear. Faça seu trabalho. Esta é a coisa mais mágica que existe. Se você realmente pretende se unir com Deus, este é o modo de fazê-lo. Neste momento. Você sentado aí, com a mão por debaixo da calça, mascando batata chips, rolando a tela do computador e pensando “Esse cara tá maluco”. O agora é Iluminação. Este momento nunca aconteceu antes e, uma vez que tenha acabado, nunca mais voltará. Você é este momento. Este momento é você. Este mesmíssimo instante é sua fusão com o Universo inteiro, com Deus mesmo.

A vida que você vive agora possui alegrias que nem Deus nunca saberá.


Fonte: Zen is boring – Brad Warner. Tradução de Bruno Melnic Pir

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