Meritocracia, democracia racial e cotas na educação |
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12/11/13 - Jornal da Cidade - Bauru |
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Após a abolição legal da escravidão, uma nova luta ideológico-cultural começou. Para entender a complexidade da questão, é necessário considerar vários fatores. De um dia para o outro, mais de setecentas mil pessoas foram colocadas à disposição de um mercado de trabalho fictício. Parte importante do problema do desemprego estrutural brasileiro nasce daí. Os efeitos contra o afrodescendente se fazem sentir até hoje. Trata-se de um desemprego e subemprego permanentes, que não se minimizou com o fim da escravidão, mas, ao contrário, perpetuou-se. Recentemente, porém, o Brasil optou por reconhecer, após persistente mobilização de minorias étnicas, a existência do racismo, da discriminação e de uma dívida social histórica, já que nem afrodescendente, nem indígenas, foram indenizados pelos séculos de abusos, escravidão e expropriação. Uma vez libertos formalmente, afrodescendentes tampouco tiveram acesso à Educação ou a qualquer tipo de qualificação profissional. Apesar dos fatos evidentes, é ainda comum o sofisma de que no Brasil, por conta de intensa miscigenação, não há racismo. Nesta “Ilha da Fantasia” abençoada por Deus, dizem por aí, “todos são iguais perante a lei”. Acredite quem quiser! Ao som agradável desse mantran repetido à exaustão, desfila solene o mito da democracia racial. Já, para quem sentiu na pele, na carne e no espírito, o estigma da cor imposto pelos seus irmãozinhos igualmente inteligentes e racionais (porém brancos), de pouco adianta o prescrito solenemente na Bíblia ou na Constituição. Distantes da almejada “integração racial pacífica”, o que assusta mais é ver como tais ideologias se tornam perigosamente perniciosas ao se associarem à doutrina da meritocracia. Alguns críticos chegam a ignorar ou a omitir, que nosso sistema de cotas é destinado a alunos oriundos do ensino médio público. Além disso, metade destas cotas são exclusivas para estudantes de baixa renda. Não se trata, portanto, de um simples sistema de cotas raciais. A meritocracia, quando aplicada incondicionalmente a uma realidade heterogênea, acaba por meter na mesma fôrma ou molde, brasileiros desnutridos desde o ventre materno, de baixíssima autoestima (por vezes decorrente de sua condição étnica), de restrito capital cultural, para competirem em suposta “igualdade de condições”, com os outros bem nutridos, dotados de amplo capital cultural e elevada autoestima. Tudo simploriamente se resolveria à luz do mérito próprio! Todas essas considerações não absolvem o político brasileiro pelo crime doloso e continuado perpetrado contra a Escola Pública e seus profissionais. Tampouco servem para remediar as evidentes imperfeições do sistema de cotas brasileiro. Contudo, não percamos de vista o pressuposto de que cotas não existem para resolver o problema da Educação Pública, mas meramente para corrigirem uma das várias distorções existentes em nossa sociedade. Cotas existem para combater o sintoma, não a causa da disnomia social. O autor, Silvio Motta Maximino, é professor, pós-graduado em antropologia, co-autor das obras “Antropologia: uma reflexão sobre o homem” e “As veias negras do Brasil: conexões brasileiras com a África” publicado no Jornal da Cidade, no seguinte endereço eletrônico: http://www.jcnet.com.br/editorias_noticias.php?codigo=231565 para entender o conceito de 'capital cultural', assista o vídeo: |
quarta-feira, 13 de novembro de 2013
armadilhas da meritocracia, num certo país do Terceiro Mundo
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