segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

A única mudança possível


O Brasil e a mudança possível
 
publicado no Jornal da Cidade (Bauru) em 21/02/2014

Que diagnóstico a ciência política e a sociologia fariam da realidade brasileira? Estamos melhorando ou piorando? Somos conhecidos, histórica e culturalmente, como a nação do autoritarismo, da roubalheira, do enriquecimento indevido, do parasitismo, da malandragem e do segregacionismo étnico e socioeconômico. Essa herança cultural é irrefutável? Isso tudo pode mudar?


     A manipulação ideológica da informação é fato inconteste. A ideologia não se trata de uma simples mentira ou invenção, e por isso é de difícil percepção. O papel da ideologia é 'mostrar a verdade' por um certo ângulo, distorcendo-a estrategicamente e gerando assim conclusões falaciosas. O resultado é um “ensopado de meias-verdades” que milhões de cidadãos irão engolir diariamente sem pestanejar ou questionar. Após algumas doses de telejornal ou da revista semanal, podemos já sentir os sintomas: sentimento de indignação, revolta, asco, frustração, profundo desânimo e desesperança, quanto ao presente e ao futuro. Invadidos pela sensação de isolamento e impotência, não vemos saída. Concluímos: nada posso contra o sistema e contra a massa humana acéfala e inconsequente, que vota sem pensar e que só sabe reclamar. 

Raramente seremos lembrados por essa classe de mídia, dos bons exemplos, das centenas de projetos de engajamento social bem sucedidos que estão acontecendo diariamente... raramente eles serão manchetes. Ao contrário, seremos inundados por enxurrada de fofocas e futricas, “reality shows” bestializadores e curiosidades inócuas. A democracia tem lá seus defeitos e suas virtudes. O que fazer se os políticos são medíocres e nossas instituições, pouco eficientes? É possível mudar a consciência política do cidadão sem Educação de qualidade? Por que só os estádios devem ter padrão-fifa? Você também já está cansado de ser enganado, eleição após eleição?

Nossa democracia é ainda recém-nascida. Não obstante, exigimos dela a “panaceia” para todas as nossas mazelas sociais. Em termos sociológicos, algumas décadas são muito pouco para a maturação cultural e social de milhões de analfabetos e de uma elite extrativista letrada, mas desinteressada. Existem sim democracias mais maduras pelo mundo, mas elas não nasceram ontem e nem tampouco são perfeitas...

Render-nos ao luxo da omissão paralisante é abrir mão de parte de nossa própria autonomia e dignidade humanas, como diria o filósofo alemão Kant. Somos pessoas, não somos gado. Espera-se um pouco mais de nós, pois afinal vivemos em sociedade. Desculpas reconfortantes não faltam: dizemos “o povo não aprende a votar” ou ainda... “nossos políticos não prestam”... ou: “quem sou eu para mudar o mundo” etc... Desde muito cedo, somos "despotencializados" e desestimulados a promover coesão social. A lavagem cerebral que sofremos, nos fez esquecer que somos, individual e coletivamente, coprodutores e corresponsáveis pela nossa própria realidade social e política.

Então, qual é a mudança possível e por que ela ainda não aconteceu?  Note que muitos falam em mudar a cultura, mudar a sociedade... Muitas revoluções já se passaram, mas ninguém jamais mudou qualquer sociedade. Por que? Porque essa tal de ‘sociedade’ é uma abstração, uma figura de linguagem, uma ficção conceitual acadêmica. Ou você já viu o “corpo social” passeando por aí? já bateu um papo com essa tal de “sociedade brasileira”? Note que são expressões simbólicas, mas carregadas de sutis ideologias. O que existe de fato? são sujeitos pensantes, que podem ou não agir coletivamente organizados. O sujeito, porém, é a única realidade fenomênica verificável empiricamente. Só o sujeito pode ser trabalhado (pela Educação) e transformado. Quem é professor sabe que ninguém muda ninguém, sem que o próprio sujeito em questão seja o protagonista principal dessa mudança que se quer ver. E você, quer mudar? Ou só quer “que os outros mudem”?

Conclusão óbvia: mudanças tecnológicas, mudanças na política econômica, no mercado de ações ou no sistema eleitoral, nunca transformaram radicalmente a cultura ou a natureza da massa humana alienada. Não basta ser mais um inconformado na fila dantesca do desespero, esmolando direitos e respeito das autoridades. Tem muita coisa prá gente fazer no nosso próprio quintal, no nosso bairro e na nossa cidade... Não esperemos mais a conjunção astral favorável, não esperemos mais o próximo oráculo dos deuses, o próximo ano novo, o próximo governo, o próximo partido político, o próximo plano econômico, o próximo dia de sorte...  engaje-se, olhe atentamente a sua volta, mexa-se e sinta-se vivo de novo! Nossa própria cultura é o único legado que podemos verdadeiramente mudar. Eis a mudança possível.

Silvio Motta Maximino 



FONTE: http://www.jcnet.com.br/editorias_noticias.php?codigo=232996

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