Lei anticorrupção traz nova era de
responsabilidades a empresários
Nova legislação dá um tratamento mais rígido aos atos ilícitos
cometidos na iniciativa privada e prevê até dissolução de empresas
Uma lei que entrou em vigor no
dia 29 de janeiro promete mexer onde mais dói para empresários envolvidos em
atos de corrupção com o poder público: o bolso. Considerada muito rígida por
alguns, a lei 12.846, conhecida como lei anticorrupção empresarial, prevê a
responsabilização objetiva de pessoas jurídicas, multa de até R$ 60 milhões e
até a dissolução da empresa em caso de reincidência. Para especialistas, o
projeto, aprovado em julho do ano passado pelo Senado, deverá inaugurar uma
nova era de responsabilidades para o empresariado nacional.
A
lei se aplica a empresas, fundações, associações ou sociedades estrangeiras que
tenham sede, filial ou representação no território brasileiro. Entre os atos
lesivos previstos estão: oferecer ou dar vantagem indevida a funcionário
público; uso de “laranjas”; fraude em licitações, incluindo acordos prévios com
concorrentes ou tentativas de prejudicar o andamento da concorrência; e
dificultar as investigações. O texto ainda institui o acordo de leniência, para
pessoas jurídicas que colaborarem com as investigações e os processos
administrativos.
Para
especialistas, com o rigor da lei a tendência é que os tribunais acabem
“moderando” seus efeitos. “A tendência é a jurisprudência aplicar a lei com
mais moderação, adequando os seus termos aos princípios e às garantias
constitucionais”, afirma o advogado Francisco Zardo, mestre em Direito do
Estado e especialista em Direito Administrativo. “A gravidade das penas é
incompatível com a responsabilização objetiva e os efeitos colaterais dela
podem ser muito graves. Embora a lei diga que há essa responsabilidade, os
tribunais acabarão modulando isso à luz de cada caso concreto”, aposta. Zardo
vê um avanço em relação à tipificação dos crimes. “Esse ponto é um avanço,
porque confere segurança jurídica.”
Privatização
Para
o advogado criminalista Francisco Monteiro Rocha Júnior, presidente do
Instituto Brasileiro de Direito Penal Econômico (IBDPE), a lei representa um
momento de “privatização” da luta contra a corrupção. “Até agora as armas eram
voltadas contra o funcionário público, agora estão se voltando contra as
empresas”, afirma. “A lei segue a lógica internacional, os Estados Unidos têm
uma lei desde a década de 1970, a lei inglesa é de 2010 e vários países
europeus têm suas leis.”
Rocha
Júnior não considera a legislação muito rígida, mas avalia que pode causar
certa insegurança. “A lei não define como será o processo administrativo, como
vai ser o rito, qual o processo, como será o direito à defesa. Isso foi mal
desenhado, deixa as coisas meio no ar.”
Apesar
da indefinição, o advogado considera positivo o fato de o texto instituir a
responsabilidade objetiva. “Hoje vemos um movimento no Direito Penal, de se
discutir como fica a responsabilidade criminal de grandes conglomerados, onde
tem gente que manda e não faz e tem que gente que faz e não manda”, avalia. “No
julgamento do mensalão já houve a discussão sobre o domínio do fato. Se uma
empresa polui um rio, quem determinou a ordem? Era tudo muito abstrato, a lei
mostra que a empresa tem que ser responsabilizada.”
Saiba
quais os principais tópicos previstos pela lei anticorrupção empresarial:
•
A lei se aplica a empresas, fundações ou associações brasileiras, ou entidades
estrangeiras que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro.
•
Pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente. Isso significa que as
empresas responderão pelos atos de seus funcionários, o que levará a um maior
controle interno das atividades.
•
A responsabilização da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade individual
de dirigentes ou administradores.
•
A responsabilidade da pessoa jurídica persiste nos casos de alteração
contratual, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária.
•
A lei tipifica como crimes prometer ou dar vantagem a agente público;
financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos
atos ilícitos; fraudar ou prejudicar licitações e contratos públicos.
•
As empresas podem ser multadas no valor de 0,1% a 20% do faturamento bruto do
último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo.
•
Caso não seja possível utilizar o critério do valor do faturamento bruto, a
multa será de R$ 6.000 a R$ 60 milhões.
•
As empresas podem perder bens, ter suas atividades suspensas ou até ser
dissolvidas. A lei, no entanto, não deixa claro em que casos essas punições
seriam aplicadas.
•
A lei institui o Acordo de Leniência. As empresas que contribuírem com as
investigações poderão ter a multa reduzida em até 2/3. O acordo, porém, não
exime a pessoa jurídica de reparar os danos.
•
As infrações previstas prescrevem em cinco anos.
Mudanças vão exigir nova cultura
administrativa
A
entrada em vigor da lei anticorrupção empresarial vai obrigar as empresas
brasileiras a adotarem novas medidas de segurança e controle interno. Segundo
Fernando Fleider, sócio da ICTS, empresa especializada em consultoria e
serviços em gestão de riscos de negócios, o Brasil ainda fica atrás de outros
países quando o assunto é segurança. “Acompanho o mercado e não existem
pesquisas comparativas. O que chega mais perto são os relatórios da
Transparência Internacional, e o Brasil não está muito bem situado”, afirma.
“Via de regra, é um pouco da característica brasileira conviver com o risco como
parte do negócio. Na verdade, o risco é evitável.”
Fleider
divide as empresas brasileiras em dois grupos: as que trabalham corretamente,
mas que ainda não adotaram os controles necessários, e as que trabalham de
maneira errada. “Para as primeiras, é como a história da mulher de César: não
basta ser honesta, é preciso parecer honesta. Já as empresas que têm por
tradição não trabalhar de maneira correta terão de começar a se preocupar de
fato.”
Especialista
em Direito do Trabalho no ramo empresarial, a advogada Mariana Schmidt avalia
que a nova lei terá efeitos na esfera trabalhista. “Para se prevenir, a empresa
terá de dispor de algumas ferramentas. Se comprovada existência de controles e
de uma conduta ética, poderá diminuir sua responsabilidade”, diz. “O empregado
terá de ser alvo dessa mudança, o manual de conduta ética vai fazer parte do
contrato de trabalho.”
A
partir disso, as empresas terão de tomar cuidado para não ultrapassarem os
limites da vida pessoal de seus funcionários. “As políticas tendem a ser
rígidas e as empresas precisarão ter cuidados para não ultrapassar os limites
do que é vida pessoal e corporativa, de modo a não gerar indenizações na
Justiça do Trabalho. As empresas terão de procurar profissionais qualificados e
conscientizar seus funcionários”, afirma Mariana Schmidt. “Acredito que a
responsabilização objetiva seja excessiva, porém necessária para que se crie
uma cultura empresarial diferenciada.”
O
advogado Francisco Monteiro Rocha Júnior lembra que as políticas de segurança
servirão como atenuante para as empresas. “A responsabilização objetiva não
significa uma responsabilização automática, que o dolo e a culpa não precisam
ser comprovados. Não é preciso mostrar que a empresa foi negligente. Neste
aspecto, as políticas compliance são
uma defesa.”
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