quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

micro-ensaio sobre uma psicose coletiva

A psicose coletiva


Como se define um estado psicótico?
O aspecto fundamental da psicose é a perda do contato com a realidade. 
Os psicóticos, quando não estão em crise, zelam pelo seu bem estar, alimentam-se, evitam machucar-se, têm interesse sexual e estabelecem contato com pessoas reais. Isto tudo é indício da existência de um relacionamento com o mundo real. 
A psicose propriamente dita começa quando o sujeito passa a "relaciona-se" com pessoas ou coisas que não existem concretamente, mas apenas em sua imaginação doentia. Seu comportamento passa a ser incompreensível, ao mesmo tempo em que a realidade patente significa pouco ou nada para ele.

Agora, aproveitando o tema, pergunto: como um psiquiatra diagnosticaria alguém se os objetos em si existissem, mas não com o valor que o paciente atribui a eles?
Quando crianças, pegamos um objeto qualquer, como por exemplo, uma pedrinha ou semente e, com nossa imaginação fértil, passamos a ver ali outra coisa! O valor instantaneamente se transforma. Quando olhamos a criança brincando assim, sabemos que ela não está em surto psicótico, alucinando... a criança simplesmente está no seu direito de brincar. Mas, que diríamos se continuássemos fazendo a mesma brincadeira depois de adultos?
Um médico seguramente diria que não estamos bem. Por que? Porque, embora maduros, continuamos tomando um objeto por outro, enxergando naquele objeto, um valor ou um poder que na verdade o objeto não possui.
Agora, o que você diria se alguém pintasse uma porção de tiras de papel e saísse dizendo que tais tirinhas coloridas valem uma fortuna! Você acreditaria, levaria o sujeito a sério? O sujeito lhe diz que, com tais papéis coloridos ou com aquelas pedrinhas coloridas, você poderia comprar casas, almoçar em ótimos restaurantes ou adquirir belo automóvel... Você concordaria ou aconselharia urgente tratamento psiquiátrico?
Tal comportamento, antes inofensivo, agora se torna preocupante, inconveniente, absurdo, surreal, insano... 
Mas, se o sujeito encontrasse mais dez pessoas que aderissem ao 'faz-de-conta' e resolvessem todos apoiar a crença no valor fantástico dos tais papéis pintados? O insano e absurdo levaria a todos para internação em hospício. O problema não deixou de existir, mas se agravou, não é claro?
Agora, vamos um pouco mais longe e considere que o sujeito conseguisse convencer cem outras pessoas a se iludirem junto com ela? O cenário se tornaria menos ou mais insano? 
Só que agora, um outro fenômeno estranho começa a ocorrer. Começa a ficar cada vez mais difícil rotular tantas pessoas ao mesmo tempo, dizendo: são psicóticas!
Alguém já pensaria duas vezes antes de rotulá-las. Mas, a insanidade deixou de ser insanidade? A psicose deixou de ser psicose porque a quantidade de pessoas que aderiu à ilusão aumentou?
A coisa toda começa a ficar muito grave quando mil pessoas começam a entrar em idêntico surto psicótico coletivo, crendo todas que os tais papéis pintados ou as tais pedrinhas, têm realmente o valor fantástico que o primeiro grupo lhes disse ter.
O que aconteceria se um ou dois bilhões de pessoas acreditassem, seguindo a mesma programação cultural iniciada assim que nasceram, que os tais papéis coloridos e pedrinhas brilhantes são muito valiosos?
Algumas coisas assombrosas aconteceriam: 
Primeiramente, aquilo que era definido como psicose, enfermidade, demência mental e absurdo, passaria logo a ser visto como normal, saudável, real e, pasme, desejável. 
Numa inversão igualmente absurda, todo aquele que não se fascinasse ou encantasse pelos papéis coloridos e pedrinhas brilhantes, passaria logo a ser rotulado de insensato, desajustado, um subversivo perigoso.
Por fim, num frenesi alucinante, muitas pessoas também começariam a pintar seus próprios papéis ou passariam a catar também por aí as suas próprias pedrinhas brilhantes e por fim estariam também a construir seus próprios impérios e castelos de areia...
Por fim, seriam capazes de passar suas vidas na beira dessa praia metafórica, entretidas nos projetos de muitos castelos de areia... seriam bem capazes de passarem o pouco tempo de que dispõem brigando e sofrendo de forma sádica ou masoquista, só para depois de algum tempo, verem que a mesma praia por fim leva seus formosos castelos de areia de volta para o mar.

Será que ninguém acha estranha essa cena? Ninguém se admira que passe toda uma existência construindo castelos de areia na beira da praia?

Alguém um dia se perguntará o que faz ali brincando com papéis coloridos e pedrinhas brilhantes? 
Por acaso não notam que seus castelos logo serão engolidos pelas ondas da praia??


Mas se você pensa que a insanidade termina por aí, se enganou!
Porque alguém achou por bem que não deveria haver papéis coloridos ou pedrinhas brilhantes suficientes para todos! E logo, todos, ainda em surto psicótico, começaram também a achar isso normal e razoável.
Agora, pedrinhas são escassas, apesar de estarem todos andando sobre quase infinita quantidade de pedras. 
Agora, a doença está em um estágio tão avançado que se supõe não haver papéis coloridos para todos!!
Alucinados, alguns comem até passarem mal e ao lado, outros choram de fome... Tudo acontecendo ao mesmo tempo em que todos jazem sentados sobre quantidades infinitas de alimento...

Passando agora nossa metáfora a um outro nível: notamos que alguns gozam de saúde enquanto outros definham de dor em filas dantescas, apesar de todos indistintamente disporem de mananciais inesgotáveis de remédios, de graça, ao redor ou dentro de suas 'próprias casas'!!
Mas não veem, seus olhos seguem lamentavelmente vendados. 

Em surto psicótico, enxergam apenas miséria e escassez. 
A violência é o método preferido de muitos psicóticos. Ela é o “mal necessário” dos insanos.
Eis o diagóstico de uma psicose coletiva...


Silvio MMax.

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