vida material ou vida espiritual – II
Vivemos em um mundo e estamos a todo tempo diante
do dilema: vida espiritual e vida material... Qual dessas vidas realmente pode
nos trazer paz e felicidade?
A matéria ou o espírito? Qual deve ser nossa
prioridade?
Salvar a alma? O que significa ter
"alma"? Nós temos uma alma?
Alguém pode ser feliz psicologicamente ou ter paz
espiritual se estiver com alguma dor terrível no corpo ou sentindo fome ou com
sede?
Com o quê vale a pena realmente se preocupar?
E, afinal, por que é importante se questionar sobre
isso?
Porque aquilo em que você acredita (o paradigma que
você aceita como explicação do mundo), pode moldar e alterar seu julgamento,
seu comportamento e a própria forma como você experimenta/vivencia aquilo que você chama de realidade.
O mundo, a realidade, é aquilo que você percebe como sendo o mundo, a realidade.
Tudo, absolutamente tudo, está na dependência da sua percepção. O que o permeia, tanto o que está aparentemente "fora", como o que parece estar "dentro", tudo depende do que você percebe... e só você experimenta o mundo do modo como você experimenta (seja
essa experiência repleta de sofrimento, seja de felicidade).
Talvez o mais comum seja a pessoa acreditar que
vive em um mundo real e objetivo, portanto, idêntico para todos os outros.
Pouquíssimos se questionam a esse respeito.
Assim, do mesmo modo, poucas pessoas questionam sua
própria visão de mundo. Nossa "visão de mundo", contudo, é nossa
própria forma particular de enxergar (interpretar) as coisas, e os
acontecimentos.
Acontece que é a “visão de mundo” que sempre se
sobrepõe àquilo que todos entendem como sendo a “realidade
objetiva"...
Ou seja: “o
mundo é como eu vejo"... e se alguém vê diferente de mim,
provavelmente está enganado, pois como é que o mundo poderia ser diferente do
modo como eu vejo?...”
Só que geralmente nos esquecemos que o mundo que nossos
sentidos captam (primeiro filtro), é quase instantaneamente decodificado pelo cérebro
(segundo filtro), para, logo em seguida, ser submetido à interpretação de nossa
mente individual (terceiro filtro), incluído aí todos os moldes e recortes culturais, linguísticos e semânticos de nossos paradigmas.
Assim é que, aquilo que eu chamo de “realidade”, de
fato é um produto específico e subjetivo, fabricado por mim mesmo, pelo meu
modo muito particular de interpretar aquilo que eu acredito que está
acontecendo ao meu redor e simultaneamente, dentro de mim...
De fato, aquilo que julgamos ser o "mundo físico"
(real e concreto), não passa de uma 'criação' de nosso próprio conjunto mente-cérebro*. Se a Física já sabe que a maior parte do espaço é
absolutamente vazio, se já se sabe que a quantidade de matéria existente em um átomo é tão pequena que é quase "inexistente", seria importante pararmos por um instante para refletirmos sobre qual é a real diferença entre o "mundo físico", em oposição àquilo que comumente chamamos "mundo não físico".
A Física Quântica tem demonstrado que
aquilo que nos dá a aparência de materialidade, a aparente solidez e
"realidade" das coisas, é de fato, apenas "campos de
energia", "padrões vibratórios". O modo como tais campos são
'percebidos' por nossos cérebros é que nos dá a sensação de materialidade e aparente densidade das coisas do mundo dito "exterior".
A Ciência ortodoxa, assim como os místicos, já sabem que tudo que percebemos como "externo" a nós,
na verdade é fabricado "dentro" de nosso corpo, no âmbito do
cérebro-mente*.
Idêntico processo acontece a cada momento dentro de
cada pessoa, sem que possamos, é claro, garantir, qualquer similitude ou
igualdade entre como cada um "capta" e interpreta as
impressões/sensações que percebe...
É nesse ponto que as coisas realmente ficam
confusas, pois se aquilo que acredito ser a “realidade”, não passa de uma
projeção criada/fabricada pela minha consciência condicionada, vale dizer, fabricada pela mente e pelo
corpo, então como seria possível distinguir entre mundo exterior e mundo
interior, entre vida material e vida espiritual?
Se nosso paradigma é dualista, será óbvio pensar/imaginar
o mundo por intermédio de dualidades, por pares de opostos definidos e quase
sempre irreconciliáveis e inconfundíveis:
"mundo material e mundo
imaterial/espiritual",
"intelecto/racional versus
emoção/irracional",
"corpo versus alma/espírito",
"sujeito versus objeto",
"mundo interior e mundo exterior",
"mundo das aparências (fenômenos) e mundo
verdadeiro (essências)...
Tais pares de opostos inspiraram dezenas de
correntes filosóficas, místicas e artísticas, pelo menos ao longo dos últimos
2.500 anos de história.
No final das contas, não é necessário discutir
sobre a realidade das coisas, já que sequer sabemos diferenciar mundo real e
mundo irreal.
A única coisa que importa sempre, é como reagimos
àquilo que chamamos realidade, seja ela de qual natureza for...
Observe seus sonhos e irá entender o porquê:
Enquanto sonhamos em nossas camas, nossa “experiência”
nos diz que estamos vivendo o mundo real. Raras vezes o sonhador
dá-se conta de que seu sonho é apenas isso: um sonho, uma criação de sua mente-cérebro.
O sonho é um ótimo exemplo de como uma criação
subjetiva de nossa própria mente, pode ser facilmente confundida com a
“realidade externa e objetiva”. Para o sonhador, sua vivência é tão real
quanto qualquer experiência do estado de vigília (aquela de quando seu corpo físico está
"acordado").
Então, o que você pode concluir? Seja a ilusão, seja a realidade, o que importa é
como reagimos.
Seja no mundo material, seja no espiritual, seja no
aparente exterior, seja no aparente interior... a ilusão está lá! nós
mesmos a criamos, é claro.
Não é que nada exista, além de nós mesmos. Não se pode incorrer nesse erro simplista de interpretação literal. Quando dizemos que o "mundo é ilusório", isso não quer dizer que não exista... Ele, de algum modo existe, sim, é óbvio. Só que não existe do modo como a maioria de nós acredita que exista. Ele é tão efêmero, tão impermanente, tão mutável e transitório, que não podemos nos iludir acreditando que o possuímos, que o detemos, que o podemos agarrar e segurar com nossas mãos... não... não....não...
Mas o fato é que
nossa imaginação “cria” a aparência dos objetos, dos entes e dos acontecimentos...
e confia que "as coisas/situações são como aparentam ser"... eis a ilusão!
Sim, nossa capacidade imaginativa mental “cria” as imagens, as ideias e
os pensamentos (crenças) sobre tudo, desde os objetos mais ordinários e grosseiros até os mais inefáveis e espirituais...
Não se espante que nossas ideias sobre os objetos mais simples do dia a dia sejam tão equivocadas quanto nossas ideias sobre Deus, sobre o Nirvana, sobre os Céus e sobre os Infernos...
Assim, o mundo (com absolutamente tudo que nele há)
é naturalmente efêmero, transitório e passageiro, como tudo que nossa
mente/corpo cria. Por trás desse véu, há aquilo que permite que tudo seja, o Ser que não se pode definir, o indizível, a base de sustentação imutável e sem dimensões, sem forma e sem
atributos... base esta a qual nossa mente não tem acesso pela experiência empírica...
Ora, a própria mente pensante, em si mesma, também
é impermanente... consequentemente, também ela é, de certo modo ilusória... Sua única realidade é aquela que nós atribuímos a
ela. Nossos pensamentos, ideias, medos, conceitos, suposições, crenças, etc,
tem o valor que nós damos a eles, tem o poder que damos a eles, nada mais, nada menos. Pensamentos, ideias, fantasias, emoções e
sentimentos oscilam, surgem e duram, às vezes, alguns dias ou algumas horas, mas o mais comum é que durem alguns minutos ou segundos... para
logo desaparecerem.
Pergunte-se: O quê é que nossos pensamentos, ideias,
fantasias, emoções e sentimentos tem a ver com a Verdade imutável?
Responda a essa pergunta e saberá o valor de
tudo o que você pensa e imagina incessantemente.
Por isso, não leve seus pensamentos tão a sério...
eles não vale a sua energia, a sua atenção, o seu esgotamento e o seu
sofrimento.
Pense: se algo muda, deixando de ser aquilo que
parecia ser, então isso que muda não é o real/verdadeiro. Busque o que é real, verdadeiro, perene e imutável! Só aquilo que permanece eternamente, É.
Algumas conclusões:
Aquilo que oscila e se transforma, incessantemente, aponta para
aquilo que NÃO É.
O bonito, em dado momento, se torna feio...
o jovem envelhece...
o cheiroso torna-se mal-cheiroso...
o prazeiroso torna-se monótono, cansativo e
aborrecedor... fonte de dor e sofrimento...
o quente se torna frio...
etc...etc...etc...
Então, qual a realidade de tudo que você
experimenta?
O mundo material (que chamamos “exterior”) ou o imaterial
(“interior” ou “espiritual”)?
Se ambos mudam constantemente, qual deles é a expressão da
Verdade?
Por fim, ambos os aspectos (material e espiritual)
se fundem num todo único. O corpo reflete o que se passa na mente... e a mente só
espelha o que se passa no corpo.
O que nosso corpo sente depende daquilo que a mente
“vê”.
E aquilo que a mente vivencia depende do que o
corpo lhe apresenta por meio de sentidos e do seu aparato cerebral.
Então, simplesmente não podemos provar que estamos
vivenciando um “mundo exterior” ou um “mundo interior”.
Nossa percepção e entendimento são tão facilmente
enganados, que sequer podemos garantir que neste momento, estamos
"acordados".
Então, enquanto não despertamos nossa consciência, indo
além do que a mente nos apresenta, continuamos sonhando, seja em um nível, seja
noutro.
A matéria em si, é apenas um conceito. Ninguém sabe
o que é a matéria, nem a ciência, nem a filosofia... os poetas, pelo menos,
admitem que não sabem.
Então, podemos parar de alimentar essa dualidade entre
mundo espiritual e mundo material, pois não há absoluta separação entre eles. É
verdade que podemos "perceber" difeerentes dimensões, umas mais sutis que outras... mas uma análise intelectual de tudo isso em nada nos ajuda a despertar consciência.
O que desperta consciência é o autoconhecimento. Só
o conhecimento absoluto de si mesmo nos permite conhecer o “mundo” e o “Criador
do mundo”.
E como despertamos consciência? Parando de
acreditar na ilusão projetada pelos pensamentos, conceitos, crenças etc... Indo
além do corpo, da mente, do pensamento e do ego. Indo do pensamento para a
meditação. Do pensar para o não-pensar... ou seja, meditando.
Em que consiste a meditação? Ao contrário do que
muitos pensam, meditação não significa não-ação, inação ou passividade.
Meditar é ver quando estiver vendo, comer quando
estiver comendo, andar quando estiver andando, fazer quando estiver fazendo. Só
isso.
para saber mais:
vida material ou vida espiritual – I
https://oficina-de-filosofia.blogspot.com/2018/07/vida-material-e-vida-espiritual.html
O que é a matéria?
https://oficina-de-filosofia.blogspot.com/2014/07/o-que-e-materia-o-que-e-voce.html?q=o+que+%C3%A9+a+materia
O que é o tempo e o espaço?
https://oficina-de-filosofia.blogspot.com/2020/04/tempo-e-espaco-o-que-sao-eu-e-o-outro-o.html?q=mundo+interior
* Os sentidos do corpo não são "portas ou
janelas" por meio das quais temos acesso direto ao "mundo
exterior"; Nossos sentidos são, objetivamente, tecidos orgânicos
dotados de terminações nervosas sensíveis a certo número limitado de ondas e
frequências... nossos sentidos captam uma gama pequeníssima de impressões que
nos circundam fisicamente... e é com elas que nosso cérebro/mente 'constrói'
aquilo que depois chamaremos de 'realidade exterior'...
Aquilo que a ciência
chama de 'impulsos elétricos', 'ondas', 'fótons', 'frequências', são
continuamente transformadas, filtradas e depois ainda interpretadas. Tudo
aquilo que nosso aparelho físico conseguiu 'perceber', o cérebro/mente vai
'selecionar', segundo critérios de relevância pouco conhecidos. Assim, aquilo
de que tomamos ciência (e que portanto consideramos 'real') trata-se de mera
"representação interna", psicológica e mental.